Um estudo inédito do governo federal propõe quase
triplicar a lista oficial de mortos e desaparecidos políticos vítimas da
ditadura militar (1964-1985). São camponeses, sindicalistas, líderes rurais e
religiosos, padres, advogados e ambientalistas mortos nos grotões do país entre
1961 e 1988. A
maioria morreu na região amazônica durante os 21 anos de regime militar.
Dentre os mais de 1.200 nomes analisados, o estudo
detalha a morte ou desaparecimento de, ao menos, 600 pessoas hoje não
relacionados na lista oficial de 357 mortos (familiares contam 426). Os novos
casos, para a Secretaria de Direitos Humanos, têm relação direta ou indireta
com a repressão da ditadura.
O documento, ainda sem endosso do governo, será
encaminhado à Comissão da Verdade e à Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos, que ficarão responsáveis pela decisão de elevar ou não
o número de mortos do período. Não há relação entre o reconhecimento dessas
vítimas e a concessão de indenizações a seus familiares - o pedido precisa ser
requerido.
O estudo é polêmico, admite o autor, Gilney Viana,
coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência. Principalmente no que diz respeito à relação das mortes
com os crimes praticados pela repressão. Comprovar a ligação é fundamental para
o reconhecimento oficial dos nomes como vítimas da ditadura.
Apesar de a ditadura ter ido de 1964 a 1985, o estudo
considera formalmente o período iniciado em 1961, com base na anistia política
prevista na Constituição de 1988.
Ex-preso político e ex-deputado do PT, Gilney afirma
que o objetivo “é incluir o nome dessas vítimas na Justiça de transição, com o
devido reconhecimento do Estado”.
Mortes no campo
O reconhecimento de parte dessas 600 vítimas é uma
antiga reivindicação de organizações como Comissão Pastoral da Terra e
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Muitos foram assassinados a mando
de fazendeiros ou políticos que tinham ligações com o regime.
Um exemplo é o que ocorreu no sul do Pará - hoje
norte do Tocantins após a Guerrilha do Araguaia (1972-1974), quando mateiros,
camponeses e ativistas foram assassinados - muitos por ex-agentes e militares -
sob o pretexto de “limpeza” da área ou para apagar vestígios dos conflitos com
os guerrilheiros do PCdoB.
Alguns dos casos são emblemáticos, como a execução do
advogado Paulo Fonteles, no Pará, em 1987. Envolvido em disputas de terras na
região, sua morte contou com a participação de um ex-agente do SNI (Serviço
Nacional de Informações).
Outro assassinato citado no estudo é o do padre João
Bosco Burnier, em Mato Grosso, em outubro de 1976. O autor do crime foi um
policial militar que acertou a pessoa errada - o alvo era dom Pedro
Casaldáliga, um dos principais expoentes da Teoria da Libertação na Igreja
Católica e perseguido pelos militares, que estava ao lado de Burnier.
O estudo da Secretaria de Direitos Humanos não aborda
a matança de índios na ditadura (alguns pesquisadores estimam mais de 2.000
vítimas indígenas), tema de outra investigação que organismos de direitos
humanos querem levar para a Comissão da Verdade.
“São vítimas da repressão e da opressão”, afirmou à
Folha o frade dominicano Frei Betto sobre o estudo do governo federal: “É uma
lista até tímida perto do que a gente sabe que de fato aconteceu. E não só
entre o povo do campo. Índios, por exemplo, foram exterminados na construção da
Transamazônica”.
Fonte: Folha de S. Paulo.
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