Numa decisão histórica, 19
ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) redigiram um parecer que
condena em termos duros e enfáticos o Projeto de Lei 4.330/2004, que escancara
a terceirização e abre caminho a um dramático retrocesso na legislação e nas
relações trabalhistas do Brasil, comprometendo o mercado interno, a arrecadação
tributária, o SUS e o desenvolvimento nacional.
No dia 27 de agosto, os
ministros encaminharam um ofício à Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJC) da Câmara Federal anunciando a posição e denunciando o risco
de “gravíssima lesão de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no
País” e redução do “valor social do trabalho”.
Mesmo diante da relevância
do tema e da inegável autoridade do tribunal, a mídia hegemônica não se
interessou pelo fato, que é um petardo contra o PL 4.330, do deputado Sandro
Mabel, um capitalista (ou empresário, para quem prefere o eufemismo) de Goiás.
O comportamento da mídia não
surpreende, mas o silêncio sepulcral diz muito sobre o caráter de classe
daquilo que antigamente costumávamos chamar de imprensa burguesa, cujos
proprietários têm interesse direto na precarização do trabalho e foram os que
mais choraram o veto do ex-presidente Lula à famosa Emenda 3.
Terceirização é um estupro
A terceirização é “um
estupro da classe trabalhadora”, conforme a indignada e justa definição do
presidente do Sindicato Nacional dos Marítimos (Sindmar) e vice-presidente da
CTB, Severino Almeida. É um instrumento do capital, em seu afã insaciável de
maximizar os lucros, para eliminar direitos, reduzir salários, dividir as
categorias e enfraquecer os sindicatos.
Estudo recente do Dieese e
da CUT mostra que o terceirizado fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma
jornada de três horas semanais a mais e ganha 27% menos do assalariado
contratado diretamente pela empresa. Ou seja, a terceirização, que integra a
ofensiva neoliberal do capitalismo, propicia um aumento dramático da taxa de
exploração da classe trabalhadora, a taxa de mais valia pesquisada por Karl
Marx.
O pretexto para escancarar a
terceirização é a busca de maior competitividade e produtividade do trabalho,
que, na concepção dos capitalistas, se faz depreciando o valor da força de
trabalho. Mas os defensores do projeto são capazes de jurar de cara limpa e pés
juntos que querem proteger seus funcionários. Haja cinismo.
Um pronunciamento vigoroso
A Justiça do Trabalho nem
sempre favoreceu os interesses dos assalariados, mas o pronunciamento dos 19
ministros do TST sobre o PL 4.330 revela muito mais firmeza, ciência, sabedoria
e coragem do que as próprias centrais sindicais e alguns líderes de partidos
políticos que dizem representar a classe trabalhadora, mas parecem meio perdidos
nas brumas ilusórias da conciliação de classes.
O movimento sindical luta
para impedir a aprovação do monstrengo capitalista construído por Mabel. A
campanha nacional por sua rejeição integra a pauta trabalhista propagada nas
manifestações nacionais realizadas nos dias 11 de julho, 6 de agosto e no
último dia 30. Nesta terça-feira (3), a CTB promoveu atos em vários aeroportos
do país, alertando o povo brasileiro para a necessidade de ampliar a mobilização
e luta contra a proposta.
Reproduzo abaixo a íntegra
do ofício enviado à CCJC para que os leitores e leitoras façam seu próprio
julgamento, reflitam sobre os riscos embutidos na PL do capitalista Mabel e
contribuam para estabelecer a verdade dos fatos e desmascarar as reais
intenções do autor, da CNI e outras entidades patronais que fazem forte lobby no
Congresso pela aprovação do projeto. O documento dos ministros é esclarecedor e
merece amplo apoio e propaganda. Ajude a divulgá-lo e a enfrentar a conspiração
do silêncio da mídia burguesa.
“Brasília, 27 de agosto de
2013
Excelentíssimo Senhor deputado
Décio Lima
Presidente da Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania
A sociedade civil, por meio
de suas instituições, e os órgãos e instituições do Estado, especializados no
exame das questões e matérias trabalhistas, foram chamados a opinar sobre o
Projeto de Lei nº 4.330/2004, que trata da terceirização no Direito
brasileiro.
Em vista desse chamamento,
os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, infra-assinados, com a
experiência de várias décadas na análise de milhares de processos relativos à terceirização
trabalhista, vêm, respeitosamente, apresentar suas ponderações acerca do
referido Projeto de Lei:
I. O PL autoriza a
generalização plena e irrefreável da terceirização na economia e na sociedade
brasileiras, no âmbito privado e no âmbito público, podendo atingir quaisquer
segmentos econômicos ou profissionais, quaisquer atividades ou funções, desde
que a empresa terceirizada seja especializada.
II. O PL negligencia e
abandona os limites à terceirização já sedimentados no Direito brasileiro, que
consagra a terceirização em quatro hipóteses:
1 - Contratação
de trabalhadores por empresa de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de
03.06.1974);
2 - Contratação de
serviços de vigilância (Lei n 7.102, de 20.06.1983);
3 - Contratação de serviços
de conservação e limpeza;
4 - Contratação de
serviços especializados ligados a atividades-meio do tomador, desde que
inexista a personalidade e a subordinação direta;
III. A diretriz
acolhida pelo PL nº 4.330-A/2004, ao permitir a generalização da terceirização
para toda a economia e a sociedade, certamente provocará gravíssima lesão
social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no País, com a
potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores hoje
enquadrados como efetivos das empresas e instituições tomadoras de serviços em
direção a um novo enquadramento, como trabalhadores terceirizados, deflagrando
impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais.
Neste sentido, o Projeto de
Lei esvazia o conceito constitucional e legal de categoria, permitindo
transformar a grande maioria de trabalhadores simplesmente em ‘prestadores de
serviços’ e não mais ‘bancários’, ‘metalúrgicos’, ‘comerciários’, etc.
Como se sabe que os direitos
e garantias dos trabalhadores terceirizados são manifestamente inferiores aos
dos empregados efetivos, principalmente pelos níveis de remuneração e
contratação significativamente mais modestos, o resultado será o profundo e rápido
rebaixamento do valor social do trabalho na vida econômica e social
brasileira, envolvendo potencialmente milhões de pessoas.
IV. O rebaixamento
dramático da remuneração contratual de milhões de concidadãos, além de
comprometer o bem estar individual e social de seres humanos e famílias
brasileiras, afetará fortemente, de maneira negativa, o mercado interno de
trabalho e de consumo, comprometendo um dos principais elementos de destaque no
desenvolvimento do País. Com o decréscimo significativo da renda do trabalho
ficará comprometida a pujança do mercado interno no Brasil.
V. Essa redução geral e
grave da renda do trabalhador brasileiro – injustificável, a todos os títulos –
irá provocar também, obviamente, severo problema fiscal para o Estado, ao
diminuir, de modo substantivo, a arrecadação previdenciária e tributária no
Brasil.
A repercussão fiscal
negativa será acentuada pelo fato de o PL provocar o esvaziamento, via
terceirização potencializada, das grandes empresas brasileiras, que irão
transferir seus antigos empregados para milhares de pequenas e médias empresas
– todas especializadas, naturalmente -, que serão as agentes do novo processo
de terceirização generalizado.
Esvaziadas de trabalhadores
as grandes empresas – responsáveis por parte relevante da arrecadação
tributária no Brasil -, o déficit fiscal tornar-se-á também incontrolável e
dramático, já que se sabe que as micro, pequenas e médias empresas possuem
muito mais proteções e incentivos fiscais do que as grandes empresas. A perda
fiscal do Estado brasileiro será, consequentemente, por mais uma razão, também
impressionante. Dessa maneira, a política trabalhista extremada proposta pelo
PL 4.330-A/2004, aprofundando, generalizando e descontrolando a terceirização
no País, não apenas reduzirá acentuadamente a renda de dezenas de milhões de
trabalhadores brasileiros, como também reduzirá, de maneira inapelável, a
arrecadação previdenciária e fiscal da União no País.
VI. A generalização e o
aprofundamento da terceirização trabalhista, estimulados pelo Projeto de Lei,
provocarão também sobrecarga adicional e significativa ao Sistema Único de
Saúde (SUS), já fortemente sobrecarregado. É que os trabalhadores terceirizados
são vítimas de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais/profissionais em
proporção muito superior aos empregados efetivos das empresas tomadoras de
serviços. Com a explosão da terceirização – caso aprovado o PL nº 4.330-A/2004
-, automaticamente irão se multiplicar as demandas perante o SUS e o INSS.
São essas as ponderações que
apresentamos a Vossa Excelência a respeito do Projeto de Lei nº 4.330-A/2004,
que trata da ‘Terceirização’
Respeitosamente”
Seguem
as assinaturas dos ministros Antonio José de Barros Levenhagen; João Oreste
Dalazen; Emmanoel Pereira; Lelio Bentes Corrêas; Aloysio Silva Corrêa da Veiga;
Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; Alberto Luiz Bresciane de Fontan Pereira;
Maria de Assis Calsing; Fernando Eizo Ono; Marcio Eurico Vitral Amaro; Walmir
Oliveira da Costa; Maurício Godinho Delgado; Kátia Magalhães Arruda; Augusto
Cesar Leite de Carvalho; José Roberto Freire Pimenta; Delaílde Alves Miranda
Arantes; Hugo Carlos Sheurmann; Alexandre de Souza Agra Belmonte e Claudio
Mascarenhas Brandão.
Por Umberto
Martins, jornalista e assessor da Presidência da CTB.
Fonte: Portal CTB.
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