Em seu relatório final, a Comissão Nacional da Verdade – que investigou os crimes e violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985) -, compilou uma lista de 29 recomendações às autoridades, sendo a maioria delas voltada à responsabilização civil e criminal.
Além disso, o documento propôs mudanças que gerariam grande impacto na área de segurança pública, como a desmilitarização da polícia e reformas no sistema carcerário.
Foram listados também os nomes de 377 pessoas apontadas como responsáveis por crimes durante esse período, incluindo tortura, assassinato, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver.
É possível acessar o relatório final aqui. Leia, abaixo, as 29 recomendações da CNV:
1. Reconhecimento de culpa
Segundo a CNV, até agora as Forças Armadas não negaram que ocorreram abusos de direitos humanos cometidos em suas instalações, cometidos por seus militares. Mas isso não seria suficiente. A primeira recomendação do relatório final é que as forças reconheçam sua responsabilidade institucional pelos abusos ocorridos entre a ditadura.
2. Punição de agentes públicos
A CNV entendeu, com base em legislação internacional que a Lei de Anistia não pode proteger autores de crimes contra a humanidade. Por isso recomenda que os agentes do Estado envolvidos com episódios de tortura, assassinatos e outros abusos sejam investigados, processados e punidos.
3 .Acusados de abusos devem custear indenizações de vítimas
O Estado brasileiro já foi condenado a pagar diversas indenizações a vítmas de abusos de forças de segurança durante a ditadura. O documento final da CNV recomenda agora que o Estado tome medidas administrativas para que os agentes públicos cujos atos resultaram nessas condenações sejam obrigados a ressarcir os cofres públicos.
4. Proibição das comemorações do golpe militar de 1964
A CNV recomenda a proibição de qualquer celebração oficial relacionada ao tema. Associações relacionadas aos militares tradiconalmente comemoram os aniversários da revolução de 1964.
5. Alteração dos concursos públicos para as forças de segurança
O documento recomenda que os processos de recrutamento das Forças Armadas e das polícias levem em conta os conhecimentos dos candidatos sobre preceitos teóricos e práticos relacionados à promoção dos Direitos Humanos.
6. Modificação do currículo das academias militares e policiais
A CNV recomenda alterações no ensino sobre os conceitos de democracia e direitos humanos nas academias militares e de polícia do Brasil. Essas entidades deveriam ainda suprimir qualquer referência à doutrina de segurança nacional.
7. Mudanças nos registros de óbito das vítimas
A alteração de registros de causas de óbitos de vítimas do regime militar é outra das recomendações da comissão. O objetivo é tornar oficial que diversas pessoas morream em decorrência de violência de agentes do Estados e não por suicídio.
8. Mudanças no Infoseg
A CNV recomenda que os registros criminais de pessoas que posteriormente foram reconhecidas como vítimas de perseguição política e de condenações na Justiça Militar entre 1946 a 1988 sejam excluídos da rede Infoseg – o banco de dados que tenta integrar as informações de segurança pública dos Estados brasileiros. A comissão pede ainda a criação de um banco de DNA de pessoas sepultadas sem identificação para facilitar sua posterior identificação.
9. Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura
Segundo o documento, a tortura continuaria a ser praticada em instalações policiais pelo Brasil. Esse entendimento levou a comissão a recomendar a criação de mecanismos e comitês de prevenção e combate à tortura nos Estados e na Federação.
10. Desvinculação dos IMLs das Secretarias de Segurança Pública
A apuração pela CNV de casos de conivência de peritos com crimes de agentes do Estado e a produção de laudos imprecisos durante o regime militar fez a comissão recomendar a desvinculação dos Institutos Médicos Legais das polícias e Secretarias de Segurança Pública. O objetivo seria a melhora na qualidade de produção de provas, especialmente em casos de tortura.
11. Fortalecimento das Defensorias Públicas
Segundo as investigações da CNV, a dificuldade de acesso dos presos à Justiça facilitou a ocorrenência de abusos de direitos humanos nas prisões durante o regime. Situação semelhante persistiria no sistema penitenciário atual. Por isso, seria necessário melhorar a atuação dos defensores públicos e amentar seu contato com os detentos.
12. Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso
O relatório final da CNV faz uma série de críticas às condições do sistema prisional e ecomenda ações de combate à superlotação, aos abusos de direitos humanos e às revistas vexatórias. A comissão critica ainda o processo de privatização de presídios que já ocorre em alguns Estados do país.
13. Instituição de ouvidorias do sistema penitenciário
A comissão recomenda a adoção de ouvidorias no sistema penitenciário, na Defensoria Pública e no Ministério Público para aperfeiçoar esses órgãos. Os defensores devem ser membros da sociedade civil.
14. Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para fiscalizar o sistema prisional
Os Conselhos da Comunidade já estão previstos em lei e devem ser instalados em comarcas que tenham varas de execução penal. Eles devem acompanhar o que acontece nos estabelecimentos penais.
15. Garantia de atendimento às vítimas de abusos de direitos humanos
De acordo com a CNV, as vítimas de graves violações de direitos humanos estão sujeitas a sequelas que demandam atendimento médico e psicossocial contínuo – que devem ser garantidos pelo Estado.
16. Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação
Basicamente, os integrantes da comissão pedem que as escolas ensinem a seus alunos a história recente do país e “incentivem o respeito à democracia, à institucionalidade constitucional, aos direitos humanos e à diversidade cultural”.
17. Criação ou aperfeiçoamento de órgãos de defesa dos direitos humanos
A comissão recomenda a criação e o apoio a secretarias de direitos humanos em todos os Estados e municípios do país. O grupo também pede reformas em órgãos federais já existentes, como o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos), a CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos) e a Comissão de Anistia.
18. Revogação da Lei de Segurança Nacional
A CNV quer a revogação da Lei de Segurança Nacional (que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social), adotada na época do regime militar e ainda vigente.
19. Mudança das leis para punir crimes contra a humanidade e desaparecimentos forçados
A comissão solicita a incorporação na legislação brasileira do crime de “desaparecimento forçado” – quando uma pessoa é detida secretamente por uma organização do Estado – e dos crimes contra a humanidade. Segundo a CNV esses crimes já estão previstos no Direito internacional, mas não nas leis brasileiras.
20. Desmilitarização das polícias militares estaduais
Para a CNV, a estrutura militar da Polícia Militar dos Estados e sua subordinação às Forças Armadas é uma herança do regime que não foi alterada com a Constituição de 1988. Segundo a comissão, essa estrutura não é compatível com o Estado democrático de direito e impede uma integração completa das forças policiais. O grupo recomenda que a Constituição seja alterada para desmilitarizar as polícias.
21. Extinção da Justiça Militar estadual
Com a desmilitarização das polícias dos Estados, a Justiça Militar estadual deveria ser extinta. Os assuntos relacionados às Forças Armadas seriam tratados pela Justiça Militar Federal.
22. Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal
A comissão recomenda que se acabe com qualquer jurisdição da Justiça Militar sobre civis e que esse ramo do Judiciário tenha atribuições relacionadas apenas aos militares.
23. Supressão, na legislação, de referências discriminatórias da homossexualidade
A CNV recomendou a retirada da legislação de referências supostamente discriminatórias a homossexuais. O grupo cita como exemplo uma lei militar descreve um crime como “praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar”.
24. Extinção do auto de resistência
A comissão recomenda que as polícias não usem mais classificações criminais como “auto de resistência” ou “resistência seguida de morte”. Geralmente essas tipificações são usadas em casos que suspeitos são feridos ou mortos pela polícia. A CNV sugere tipificações como “lesão corporal decorrente de intervenção policial” e “morte decorrente de intervenção policial”.
25. Introdução da audiência de custódia
A comissão recomenda a introdução no ordenamento jurídico brasileiro da audiência de custódia. Ou seja, todo preso teria que ser apresentado a um juiz até no máximo 24 horas após sua prisão. O objetivo é dificultar a prática de abusos.
26. Manutenção dos trabalhos da CNV
A comissão entendeu que não foi possível esgotar todas as possibilidades de investigação até a sua conclusão. Por isso recomenda que um órgão permanente seja criado para continuar as apurações e verificar a implementação de medidas sugeridas.
27. Manutenção da busca por corpos
O grupo sugeriu ainda que orgãos competentes recebam os recursos necessários para continuar tentando encontrar os corpos de desaparecidos políticos – frente em que a comissão não fez grandes avanços.
28. Preservação da memória
A comissão sugere uma série de ações para preservar a memória dos abusos cometidos durante a época do regime militar. Entre elas estão a criação de um Museu da Memória, em Brasília e o tombamento de imóveis onde ocorreram abusos. Eles também querem que nomes de acusados de abusos deixem de nomear vias e logrradouros públicos.
29. Ampliação da abertura dos arquivos militares
A comissão deseja que o processo de abertura de arquivos militares relacionados ao regime expandam seu processo de abertura. O grupo estimulou ainda a realização de mais pesquisas sobre o período nas universidades.
Fonte: Agência Brasil
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