A Globo já foi mais discreta em seu jornalismo serviçal, apesar de
ter na vassalagem uma das marcas da casa. Ao falar dos problemas
financeiros da Previdência Social, porém, ela vem revelando o que há de
pior na profissão - uma verdadeira aula de serventia aos interesses do
poder.
Quem pôde assistir o noticiário Bom Dia Brasil da manhã desta
quarta-feira (3) se deparou com uma reportagem sobre o “buraco na
Previdência que só aumenta”, com um bloco de cinco minutos dedicado ao
tema. A matéria se constrói para afirmar que os brasileiros se aposentam
“de forma precoce”, argumentando que os limites atuais de aposentadoria
seriam insuficientes para mantê-la de forma sustentável.
Os erros factuais são imensos. Primeiramente, ao falar do próprio
“buraco da Previdência” como fosse real, a Globo fornece números
assustadores do futuro brasileiro: R$ 85 bilhões de déficit da
aposentadoria em 2015, R$ 145 bi em 2016, R$ 200 bi em 2017. É um desvio
de informação grotesco, no mínimo, insinuar que o ritmo das
aposentadorias aceleraria a ponto de aumentar em R$ 60 bi a cada ano,
dentro de um orçamento de R$ 500 bi.
Aliás, não existe sequer um orçamento isolado para a Previdência que
permita identificar o déficit apontado na reportagem, como explicou
recentemente à CTB a professora de Economia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil. Conforme a Constituição Federal, o
"orçamento da seguridade social" engloba a Previdência, a assistência
social e a saúde pública em um único cofre, financiado por recursos
comuns do governo, trabalhadores e empresários. As receitas são,
portanto, usadas para custear não apenas as aposentadorias e pensões,
mas também os programas de assistência social e de saúde.
Aparentemente, o “professor especialista” que a Globo encontrou para
validar a reportagem não sabia disso, porque não mencionou a estrutura
orçamentária por um segundo. Ele fez um bom trabalho em aumentar o
pânico, no entanto, ao profetizar “uma Previdência deficitária significa
necessidade de aumentar tributos”, sem evidenciar que qualquer aumento
de tributos seria resultado de uma jogada proposital do governo.
Todo ano, o Governo Federal retira dezenas de bilhões de reais dos
cofres da Previdência para cobrir outras áreas, criando o tão
trombeteado déficit. Quando são contabilizadas as contribuições
obrigatórias do governo, que por lei deveriam compor o sistema do
financiamento da Previdência, o que existe é um superávit saudável na
área. Dados recentes da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal do Brasil (ANFIP) apontam que a Seguridade Social, como
um todo, tem saldo financeiro positivo todo ano, ao contrário do que é
dito na reportagem. De acordo com o estudo, os superávits foram de
R$76,2 bilhões, R$53,8 bilhões e R$23,9 bilhões entre 2013 e 2015.
Isso não é mencionado em momento algum na reportagem do Bom Dia
Brasil. Deixa-se os números positivos de fora, evidencia-se a projeção
alarmista, mesmo que não tenha base factual.
Outra coisa que não é mencionada é o aumento na produtividade por
trabalhador pela qual atravessou a sociedade brasileira, em decorrência
da tecnologia. A matéria enfatiza o aumento na expectativa de vida e a
queda na taxa de natalidade dos últimos 50 anos, mas parece esquecer do
surgimento da robótica e da informática. Não foi à toa que, durante
nossa entrevista com a Denise Gentil, ela enfatizou: "Devemos investir
em políticas de aumento da produtividade do trabalho, investindo em
educação, ciência, tecnologia e estímulos à infraestrutura para
proporcionar a arrecadação para o suporte aos idosos. Cada trabalhador
se torna mais produtivo e produz o suficiente para elevar a renda e
redistribuí-la entre ativos e inativos". Aumentaram as obrigações, sim,
mas não puxamos o arado com bois nem andamos de carroça pelas ruas.
Falar de um sem lembrar de outro é um exercício de ficção.
A matéria da Globo, em essência, resume-se a repetir o slogan
apocalíptico do “rombo da aposentadoria” de forma hipnótica, sem jamais
explicar as reais questões em jogo. Não se menciona, por exemplo, que a
proposta atual de Eliseu Padilha envolve estabelecer uma idade mínima de
aposentadoria que seria superior à expectativa de vida de alguns
estados brasileiros. Não se fala nos efeitos sociais nefastos que uma
eventual desvinculação do salário mínimo levariam aos mais de 70% de
idosos que se encontram na faixa mínima do benefício, que seriam
arremessados na miséria novamente.
Não menciona as inúmeras isenções fiscais concedidas aos super-ricos
no Brasil, que poderiam contribuir com até R$ 200 bilhões em impostos
sobre grandes fortunas e heranças. Não chega perto dos mais de R$ 500
bilhões de sonegação fiscal que enfraquecem o poder público a cada ano.
Não apresenta os inúmeros municípios em que a Previdência movimenta mais
dinheiro do que o próprio Fundo de Participação dos Municípios, e o
impacto catastrófico que uma depreciação dessas teria sobre a economia
no interior.
Não menciona nada que, de alguma forma, não interesse ao governo
interino de Michel Temer. Trata-se de propaganda em sua forma mais pura.
Por Renato Bazan - Portal CTB
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