4 de jan. de 2017

Entrevista com Marcelino Rocha: “Somente Diretas Já pode colocar o Brasil nos trilhos”


O presidente da Fitmetal e da CTB-MG, Marcelino Rocha, avalia 2016 pela pauta regressiva imposta pelo governo golpista e analisa as perspectivas para 2017. Ele faz um balanço da Federação, com conquistas de novas bases e acordos fechados em um cenário de grandes dificuldades.
Qual avaliação é feita sobre esse final de ano com tantas pautas negativas para os trabalhadores e trabalhadoras?
A cereja do bolo amargo para o Brasil foi a aprovação da PEC 55. Infelizmente o povo não tem a dimensão do significado da aprovação dessa PEC. Vai chegar um determinado momento - que eu espero que não seja 2036 - que isso precisará ser revisto para o bem do país. Nós já alertávamos quanto a um possível golpe à democracia com antecedência. Até porque antes do golpe o Temer já tinha apresentado a “Ponte Para o Futuro”. Nesses meses de 2016 que foi implementado parte desse projeto nós temos assistido um desastre total do ponto de vista dos direitos sociais, das limitações democráticas e também da regressão dos direitos trabalhistas.
O impeachment da presidenta Dilma foi uma iniciativa para abafar escândalos de corrupção de deputados e senadores, mas também trouxe consigo a volta de um receituário neoliberal. Era prevista a velocidade com que essa pauta negativa está sendo implementada?
É uma receita neoliberal que nós não prevíamos em tamanho e contundência. O que o Temer fez em seis meses está superando Sarney, Collor, FHC e até a ditadura militar do ponto de vista regressivo dos direitos sociais e trabalhistas. É assustador como esse compromisso com a elite e com o setor financista pode impor uma agenda tão regressiva como vem sendo implementada nesses últimos meses depois do impeachment da Dilma.
Aparentemente a direita age coesa na hora de ir contra o povo, já a esquerda muitas vezes não mostra a mesma unidade. Como explicar isto?
Na esquerda ainda prevalecem diferenças que não cabem ao momento. Existe todo um xadrez para dizimar a esquerda no Brasil. Vide quantas capas das revistas mais reacionárias deste país, Veja, Época, IstoÉ, foram dedicadas a denegrir a imagem do presidente Lula. Ele como a principal liderança do nosso campo talvez não tenha a blindagem necessária do que pode vir a acontecer em 2017, que é a inviabilização da sua candidatura em 2018.
Mesmo com a quantidade perdida de vereadores e prefeituras nas últimas eleições as pesquisas não mostram uma esquerda liquidada como alardeou a direita e além disso mostram Lula como o candidato mais forte para 2018...
O único ponto ‘positivo’ para a esquerda é que a direita não tem consenso na disputa pelo poder, pois existem muitos interesses que trazem trincas. Exemplo disso é a briga entre Alckmin, Aécio e Serra, ou as divergências entre Renan Calheiros e Rodrigo Maia e por aí vai. Essa guerra pelo poder entre eles deveria nos ajudar e a esquerda deveria explorar mais essa fragilidade.
O próximo ano já começa com pautas nefastas, como a votação da Reforma da Previdência na volta do recesso parlamentar. 2017 será mais difícil para o trabalhador do que foi este ano?
Dizem que vai ter um grupo parlamentar em vigília para discutir a melhor forma de, ao retornar em 2017, aprovar a reforma da Previdência. São coisas que a gente não via nos últimos treze anos no governo no PT e seus aliados, que é o Congresso ficar até quatro horas da manhã debruçado para prejudicar o povo, com vigília de parlamentares para implementar medidas de precarização da vida povo brasileiro.
Nesse ponto o movimento sindical e os movimentos sociais também não devem permanecer neste período estudando alternativas para barrar essa e outras reformas prejudiciais?
O momento nos impõe a necessidade de muita atenção no campo democrático popular. Mesmo no ambiente de festas, natal e ano novo, nós devemos permanecer vigilantes porque o saco de maldades não chegou ao fundo. De acordo com o Diap, existem mais de 50 medidas na ordem do dia para serem definidas por esse Congresso que não representa a maioria dos trabalhadores brasileiros. Isso vai desde a redução da idade para o início no trabalho que atualmente é de 16 anos e querem retroagir para 14. Isso combina muito com o desejo da deformação dos jovens brasileiros com o “Escola Sem Partido”, pois as dificuldades no ensino são muito maiores para quem começa a trabalhar mais cedo. Tudo isso também passa pela prevalência do negociado sobre o legislado, passa pela terceirização de atividades-fim entre outros.
Quanto ao Michel Temer a imprensa e analistas apontam que a sua queda será inevitável. Você também aposta nisso?
Hoje é uma possibilidade real a queda do Temer. O que não traz nenhuma expectativa positiva. Um golpe dentro do golpe que foi dado pode criar as condições piores para os trabalhadores com alguém mais reacionário ainda assumindo o posto de chefe do país. Por isso precisamos destacar a necessidade de eleições Diretas Já. Somente esta situação pode colocar o Brasil nos trilhos.
O governo golpista além de impor uma agenda negativa ao país também está destruindo os projetos de integração regional e internacional, como o Mercosul e os BRICS?
As mostras dadas pelo nosso ministro de relações exteriores são no sentido de acabar com qualquer possibilidade de intercâmbio ou organizações bilaterais de países que precisam se articular frente ao poder da União Europeia e dos Estados Unidos. Um ministro de relações exteriores como o Brasil que tem dificuldade em definir o significado de BRICS é o grande sintoma da desarticulação desse projeto, assim como acontece com o Mercosul, para colocar o nosso país novamente dentro dos interesses imperialistas dos EUA. Agora a Venezuela está sendo o foco central de desestabilização. A exclusão da ministra de Relações Exteriores da Venezuela do último encontro do Mercosul é muito simbólica quanto a isso.
"Mesmo no ambiente de festas, natal e ano novo, nós devemos permanecer vigilantes porque o saco de maldades não chegou ao fundo."
A participação da indústria no PIB nacional está em queda livre. As medidas adotadas pelo governo Temer contribuem para piorar este cenário?
Esse é um tema que a Fitmetal vai considerar como o mais importante do ponto de vista da sua ação política. O processo de desindustrialização que o país atravessa é de um risco muito grande. Um país cuja indústria sai de quase 30% de participação no PIB em décadas passadas e isto é reduzido a menos de 9% não tem perspectiva de desenvolvimento com distribuição de renda, com geração de emprego. A indústria é um setor que tem salários melhores, tem condições de trabalho mais significativas do que outras categorias profissionais, então é fundamental o desenvolvimento da indústria para o crescimento do país.
O setor naval que cresceu tanto no governo Lula hoje é a maior representação desse cenário de desindustrizalização?
O Lula desenvolveu políticas no setor naval que fez com que quase chegássemos a 100 mil trabalhadores na área, além de enraizar o setor naval em vários estados, como no Rio Grande do Sul e Pernambuco. Com a Lava Jato e a crise na Petrobras o setor naval deixou a herança de vários trabalhadores demitidos em 2015 e que ainda hoje não receberam as suas verbas rescisórias. Hoje o setor cada dia mais vai se enfraquecendo e hoje existem discursos para baratear o custo da produção no Brasil que indicam que ao invés de construir navios, o Brasil passe a alugar navios junto com tripulação estrangeira. Isso é um prejuízo para a produção, para a economia e para os marítimos nacionais.
Para o setor de automóveis as condições também não são das melhores?
Com exceção dos metalúrgicos de Camaçari na Bahia que fizeram um acordo em 2015 com validade de dois anos, fruto da organização no local de trabalho que existe lá, todos os demais metalúrgicos do setor automobilístico fizeram acordos no máximo com a reposição da inflação de um ano antes da data base e a grande maioria com o pagamento parcelado dessa inflação em até três períodos. No momento que você tem um executivo que atua em prol do setor financeiro e um legislativo subserviente aos interesses dos mais ricos, o setor empresarial não iria perder a oportunidade de desfazer todas as conquistas alcançadas nos últimos treze anos.
No geral como foi avaliado o resultado das campanhas salariais de 2016?
As campanhas foram realizadas dentro do possível em uma conjuntura totalmente adversa. Foi uma negociação onde o setor empresarial tentou implantar políticas regressivas, mas que, na medida do possível, foram barradas. A posição da Fitmetal junto à FEM/CUT e à Femetal (Força Sindical) em Minas Gerais foi destacada por diversos dirigentes de fora da Fitmetal. Minas é o único estado do Brasil que tem três Federações ligadas à Centrais diferentes e que fazem campanha unificada. O papel da Fitmetal, segundo os dirigentes das outras entidades, foi destacado.
Especificamente para a Fitmetal como é avaliado este ano?
Mesmo em um ano de muita dificuldade nós podemos falar que 2016 foi altamente positivo para a Federação. Em primeiro lugar por conta do registro sindical que foi definitivamente finalizado já em janeiro. Em segundo por conta da conquista de novas bases de grande significado para o crescimento e para o enraizamento da política da Fitmetal, que foi Chapecó (SC) e Três Marias (MG), além de criar a possibilidade de estender a base até Nossa Senhora do Socorro (SE). Um terceiro elemento que é importante destacar é que a Federação começou a aparecer com protagonismo. Participou das lutas nacionais contra o golpe com fisionomia, participou das manifestações em defesa da Petrobras, como também do Dia Nacional de Paralisações e Luta em Defesa dos Direitos, organizado pelos Metalúrgicos - com destaque para manifestação que ocorreu em Minas Gerais nas proximidades da Fiat. Além dessas manifestações a Fitmetal teve capacidade de construir alternativas para assinar os acordos coletivos nas suas bases, acordos que tiveram uma dificuldade maior com a liminar do Gilmar Mendes indicando o fim da ultratividade dos acordos.
Do ponto de vista das relações das relações exteriores a Fitmetal teve um ano produtivo?
Tivemos uma participação destacada no 17º Congresso da Federação Sindical Mundial, na África do Sul, com a maior bancada de dirigentes. Estamos nos empenhando para fortalecer o internacionalismo de classe, estamos implementando isso na prática. Dessa maneira tivemos trocas importantíssimas, como essa com os metalúrgicos do Egito que visitaram o Brasil por duas vezes e agora nós fomos até lá e firmamos um acordo com eles.
Em maio de 2017 será realizado o segundo Congresso Fitmetal. Qual é a expectativa até lá?
Temos muita luta antes do Congresso da Fitmetal. Talvez a principal delas seja barrar a reforma da Previdência. Os metalúrgicos poderão ser os mais afetados com o fim das condições de insalubridade para a aposentadoria e existe toda a agenda regressiva da reforma Trabalhista. Portanto, precisamos chegar ao Congresso da Fitmetal com no mínimo a reforma da Previdência barrada.
Por Murilo Tomaz, da Fitmetal

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