Cinco mil venezuelanos batem diariamente (em média) nas portas de países vizinhos e da Espanha. Essa gente foge da enorme carência de alimentos e medicamentos, do desemprego beirando os 40% e da inflação de três dígitos.
Não se pode negar nesse quadro sombrio a influência de sanções dos EUA, do contrabando e do açambarcamento generalizados de alimentos.
Mas tendo a Venezuela as maiores reservas de petróleo do mundo, Maduro não tem como justificar a crise absoluta em que seu governo deixou o país cCinco mil venezuelanos batem diariamente (em média)
nas portas de países vizinhos e da Espanha. Essa gente foge da enorme carência
de alimentos e medicamentos, do desemprego beirando os 40% e da inflação de
três dígitos.
Não se pode negar
nesse quadro sombrio a influência de sanções dos EUA, do contrabando e do
açambarcamento generalizados de alimentos.
Mas tendo a Venezuela
as maiores reservas de petróleo do mundo, Maduro não tem como justificar a
crise absoluta em que seu governo deixou o país cair.
Querendo manter seu
posto, ele arbitrariamente desequilibrou os três poderes da democracia
venezuelana em favor do executivo, submetendo a ele também o legislativo e o
judiciário. Neste ano, promoveu uma eleição com cartas marcadas: os principais
opositores estavam presos, autoexilados ou proibidos de concorrer.
A repressão dos
grandes protestos de rua tem sido violenta, com mortes e torturas, comprovadas
pela Anistia Internacional e a Human’s Rights Watch.
Tudo isso gerou uma
reação internacional, com a maioria dos países do Ocidente condenando o governo
atual como ilegítimo e reconhecendo o autoproclamado presidente, Juan Guaidó.
A grande mídia do
Brasil e dos EUA adotou a causa de Guaidó. Ele representaria o Bem enfrentando
o Mal, corporificado em Maduro.
Uma intervenção
estadunidense está sendo descartada como impossível, algo absurdo de parte dos
EUA.
Na verdade, intervir
no seu quintal não é algo anormal na história norte-americana. Vamos considerar
apenas o período entre o fim da 2ª Grande Guerra e os dias de hoje.
Durante a guerra
fria, as principais motivações alegadas pelos EUA para suas intervenções foram
combater os avanços comunistas e defender os direitos humanos e da democracia.
Depois do fim da União Soviética, restaram apenas estas duas últimas bandeiras.
Não passam de meros
pretextos, outras razões têm pesado mais no intervencionismo, como veremos a seguir.
1954 - Golpe na
Guatemala
Nessa época, o país
era totalmente agrícola, sendo grande parte de suas terras exploradas pela
United Fruit, poderosa empresa norte-americana.
Eleito
democraticamente, o socialdemocrata Jacobo Arbenz promoveu uma série de
reformas sociais, entre elas uma ampla reforma agrária, que tirou trabalhadores
rurais da miséria, transformando-os em proprietários de terras.
Sendo os lucros da
United Fruit assim restringidos, a CIA organizou um golpe, forçando Arbenz a
renunciar. Havia marxistas no governo dele, fato que pesou na decisão de
Washington.
O sucessor de
Arbenz, o coronel Castillo Armas, inaugurou uma série de brutais ditaduras
militares que assolaram a Guatemala durante 25 anos.
1961- Invasão
frustrada de Cuba
Com o objetivo de
derrubar o regime comunista de Fidel Castro, 1.500 exilados cubanos apoiados,
treinados e financiados pelos EUA invadiram Cuba, desembarcando na Baía dos
Porcos.
Esta operação,
planejada pela CIA, foi um fracasso total, derrotada pelas forças de Fidel
Castro.
1964 – Golpe militar
no Brasil
Revelações
posteriores comprovaram a ativa participação dos EUA na articulação do golpe
militar que derrubou o governo trabalhista de Jango Goulart.
O fator dominante
foram os interesses geopolíticos dos EUA, que viam sua hegemonia continental
ameaçada pela política independente de Jango, apoiado pelos comunistas. O
golpe, supostamente em defesa da democracia, depôs o presidente
E brindou o Brasil
com 21 anos de ditadura militar.
1965 – Invasão da
República Dominicana
Eleito presidente
em 1962, Juan Bosch promulgou uma constituição liberal, com amplas liberdades,
reforma agrária e direitos trabalhistas.
Derrubado por golpe
militar, Bosch recuperou a presidência através de um contragolpe liderado pelo
general Caamaño.
Temendo que a
República Dominicana virasse uma nova Cuba, os EUA invadiram o país com 42 mil
soldados e 41 navios de guerra, apoiados por forças de outros países, inclusive
da ditadura do Brasil.
Venceram, tendo em
seguida apoiado a eleição de Joaquin Balaguer, num pleito de legitimidade
altamente discutível.
Balaguer governou
34 anos, oprimindo a oposição e negando a liberdade de expressão.
1973 – Golpe militar
no Chile
Depois do
presidente eleito do Chile, Salvador Allende, estatizar uma série de empresas
privadas estrangeiras, os EUA passaram a vê-lo como um possível aliado da União
Soviética.
Golpe militar
derrubou o governo Allende, com o apoio da CIA e a sustentação entusiasta do
secretário de Estado, Henry Kissinger.
O general Pinochet,
o líder golpista, governou o Chile ditatorialmente durante 17 anos, nos quais
40 mil opositores foram torturados e mais de 3 mil assassinados pelas forças da
repressão.
1976 – Golpe Militar
na Argentina
O governo corrupto
e ineficiente de Isabelita Peron estava criando o caos na Argentina. Por isso,
o golpe militar deflagrado pelos militares, em 1976, foi até bem recebido pelo
povo.
Cedo, porém, esse
sentimento se desvaneceu diante das brutais violências do regime contra os
opositores, especialmente esquerdistas. Sucederam-se inúmeros sequestros,
assassinatos, torturas, detenções ilegais, execuções e até os raptos de 500
crianças de pais mortos pelo regime, posteriormente confiadas a famílias dos
repressores.
No que foi talvez o
mais bárbaro dos regimes ditatoriais da América Latina, 30 mil pessoas foram
executadas pelos órgãos de segurança, inclusive atiradas de aviões no rio da
Prata.
Nesse terrível
episódio histórico, aparece a figura de Henry Kissinger, o chanceler dos EUA.
Em conversa privada com ele, o chanceler argentino insinuou que seu governo
teria de apelar para sistemáticos abusos dos direitos humanos.
Kissinger ponderou:
“se há coisas que precisam serem feitas, as façam rapidamente”.
Conforme o
embaixador norte-americano em Buenos Aires afirmou ao governo de Washington, as
palavras do secretário de Estado tinham sido interpretadas pelos militares
argentinos como uma “luz verde” para continuarem suas táticas brutais contra
guerrilheiros, dissidentes liberais e socialistas (The New York Times,
17-3-2016)”.
1983 – Invasão de
Granada
A invasão
norte-americana desta minúscula ilha de 342 km² e 80 mil habitantes pôs fim a
sua experiência socialista.
O próprio
presidente Ronald Reagan coordenou o ataque, temendo que o aeroporto em
construção pelo governo, amigo de Cuba, poderia ser usado para um futuro
desembarque de tropas soviéticas...
1989 – Invasão do
Panamá
O ditador Noriega,
durante anos fiel integrante da lista de pagamentos da CIA, começava a se
tornar incômodo para os EUA.
Tornou-se público
sua aliança com os chefões do tráfico internacional de tóxicos.
Informa o El País
(30-3-2017): “Se a CIA ainda o via com bons olhos, o DEA, o órgão para o
controle das drogas, se inclinava no sentido oposto”. Esta opinião prevaleceu.
O Panamá foi
invadido por forças estadunidenses, que utilizaram seus mais modernos engenhos
bélicos. Conforme, entusiasmado, disse um dos comandantes da operação: “nós
temos todos esses novos dispositivos, mísseis guiados por laser e caças e
estamos morrendo de vontade de usar tudo isso”.
E usaram,
especialmente nos bairros mais pobres, como El Chorrillo, destroçado de uma
forma tal que os motoristas de ambulâncias o chamavam de “Pequena
Hiroshima (al Jazeera, 31-1-2016)”.
As forças
norte-americanas livraram os panamenhos de um ditador cruel, mas cobraram deles
um preço alto: 3 mil mortos, segundo estimativas da ONG Médicos por Direitos
Humanos.
1994 – Invasão do
Haiti
Finalmente uma
intervenção dos EUA por uma boa causa: a reposição no poder do presidente Aristide,
deposto por milícias armadas, integradas por figuras sanguinárias dos regimes
dos notórios Duvalier, pai e filho.
Pena que, em 2004,
10 anos depois, o comportamento dos norte-americanos foi um tanto dúbio.
Aristide sofreu
nova tentativa de golpe, da mesma turma tenebrosa do golpe de 1994.
A comunidade
internacional reagiu. E forças dos EUA, Canadá e Chile, sob o guarda-chuva da
ONU, entraram no Haiti para assegurar a lei, a ordem e a segurança e facilitar
a ajuda humanitária, como conta o The Economist (4-5-2004).
E a revista
continua: “Após sua chegada (das forças estrangeiras), houve a expulsão do
presidente Aristide... Por uma combinação de rebelião armada, protestos
populares e pressão dos franceses e estadunidenses”.
Forçaram Aristide a
sair numa boa, conforme depoimento do próprio.
2002 - Tentativa de
golpe na Venezuela
Com três anos de
governo, o presidente Chávez incomodava os EUA com suas posições frequentemente
contrárias às da Casa Branca. Idêntico sentimento dominava as oligarquias locais,
opostas às políticas chavistas que privilegiavam os investimentos sociais do
governo.
O golpe resultante
desta comunhão de interesses, desferido em 2002, chegou a depor e prender o
presidente.
Mas durou apenas 48
horas. Diante dos imensos protestos populares, os militares recuaram e Chávez
voltou ao poder.
Bush deve ter
lamentado essa reviravolta. Afinal, pressuroso, ele tinha apoiado o golpe, logo
depois de sua prematura efetivação.
2019: Golpe na
Venezuela
Autoridades da
Organização dos Estados Americanos revelaram ao The Observer que a Casa Branca
estava a par da autoproclamação de Guaidó, aprovada previamente por Washington.
Diante destas 10
intervenções militares em república vizinhas, não seria de estranhar que os EUA
estivessem executando mais uma, na Venezuela. Indícios não faltam.
Altas horas da
noite, numa ligação telefônica, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, exortou
Juan Guaidó a proclamar-se presidente da Venezuela. E garantiu ao venezuelano
que teria o apoio dos EUA.
Este episódio
“implementou um plano que vinha sendo desenvolvido secretamente nas semanas
anteriores, complementado por conversações entre autoridades norte-americanas,
aliados, legisladores e figuras chave da oposição na Venezuela”.
Quem fez esta
denúncia não foi nenhum jornal esquerdista (ou mesmo globalista marxista), mas
sim uma das vozes do capitalismo local, o Wall Street Journal, edição de 29 de
janeiro de 2019.
The Donald já
pensava em usar da força bruta para destronar Maduro desde o ano retrasado.
Numa reunião com o ex-secretário de Estado, Rex Tillerson, e o ex-conselheiro
de Segurança Nacional, MacMaster, e também num jantar com o presidente da
Colômbia, Ivan Duque, ele levantou a ideia da invasão da Venezuela. Mais
comedido, MacMaster teve o maior trabalho para dissuadir seu chefe (Truth Out,
2-2-2019).
Neste ano, John
Bolton, o atual conselheiro de Segurança Nacional, declarou em entrevista à Fox
News: “estamos conversando com as maiores empresas, agora, acho que estamos
tentando chegar aqui ao mesmo fim e resultado”.
Mais adiante ele
explicou qual seria este resultado: “Faria uma grande diferença para os EUA
economicamente, se nós tivermos petrolíferas norte-americanas investindo e
explorando as reservas de petróleo venezuelanas”. Aparentemente, a oposição a
Maduro não pretende dissuadir esse belicoso falcão do país de Tio Sam.
Carlos Vechio,
representante de Guaidó em Washington, declarou ao Bloomberg que era propósito
do seu chefe cancelar a atual exigência de que a PDVSA (estatal petrolífera
venezuelana) mantenha 51% de participação em qualquer projeto de parceria com
empresas privadas.
Em nossa avaliação,
os EUA não querem mesmo invadir a Venezuela. Seu povo está farto de guerras
externas e The Donald está de olho nas eleições de 2020. Não convém contrariar
os eleitores.
A ideia é deixar os
venezuelanos cada vez mais famintos e sem medicamentos.
É a medieval
estratégia da fome, posta em prática pela Arábia Saudita na guerra do Iêmen, e
pelo próprio Trump, contra o povo do Irã.
As armas da Casa Branca
nessa guerra são as sanções decretadas pelo morador da Casa Branca: a usurpação
dos ativos financeiros venezuelanos nos EUA, no valor de 7 bilhões de dólares,
e o corte das importações norte-americanas desse produto, que neste ano
representariam 11 bilhões de dólares.
Agora vejamos: a
Venezuela importa a maior parte dos alimentos e medicamentos que necessita.
Para realizar estas operações usa as receitas proveniente das exportações do
petróleo, que representam 95% do total do seu comercio externo.
Se já não dispõe de
recursos suficientes para importar os alimentos e remédios necessários, o que
será do seu povo quando as sanções cortarem 11 bilhões de dólares da minguada
receita do governo?
Esta odiosa tática
de fazer do povo refém pode dar errado.
A ira popular, hoje
lançada contra Maduro, tenderia a voltar-se contra os EUA, que passariam a ser
os responsáveis pelo aumento da fome no país.
Com a ajuda da
Rússia e principalmente da China, talvez o povo consiga resistir mais tempo do
que o previsto pelos estrategistas de Washington e da oposição.
Enquanto isso,
Maduro vai recuperar parte do seu prestígio, enquanto o antiamericanismo e o
bolivarianismo ressurgirão com força total. Sem contar que a China e a Rússia
ganharão espaço precioso não apenas no país de Chávez, mas também em toda a
América Latina.
Acredito que The
Donald já tenha pensado nesta hipótese de efeito bumerangue. Com o seu
ameaçador “todas as opções estão sobre a mesa”, ele dá a entender que, antes
que seja tarde, poderá mandar tropas à Venezuela, loucas para experimentar as
novas armas.
Os países que, para
agradar o país mais poderoso da terra, clamam que o tempo dos acordos já
passou, deveriam moderar sua ansiedade e ouvir a proposta de mediação que o
papa Francisco acaba de fazer. Ou, pelo menos, colocar essa opção sobre a mesa.
Autor: Luiz Eça - Começou sua vida
profissional como jornalista e redator de propaganda. Artigo publicado
originalmente no Correio da Cidadania
Querendo manter seu posto, ele arbitrariamente desequilibrou os três poderes da democracia venezuelana em favor do executivo, submetendo a ele também o legislativo e o judiciário. Neste ano, promoveu uma eleição com cartas marcadas: os principais opositores estavam presos, autoexilados ou proibidos de concorrer.
A repressão dos grandes protestos de rua tem sido violenta, com mortes e torturas, comprovadas pela Anistia Internacional e a Human’s Rights Watch.
Tudo isso gerou uma reação internacional, com a maioria dos países do Ocidente condenando o governo atual como ilegítimo e reconhecendo o autoproclamado presidente, Juan Guaidó.
A grande mídia do Brasil e dos EUA adotou a causa de Guaidó. Ele representaria o Bem enfrentando o Mal, corporificado em Maduro.
Uma intervenção estadunidense está sendo descartada como impossível, algo absurdo de parte dos EUA.
Na verdade, intervir no seu quintal não é algo anormal na história norte-americana. Vamos considerar apenas o período entre o fim da 2ª Grande Guerra e os dias de hoje.
Durante a guerra fria, as principais motivações alegadas pelos EUA para suas intervenções foram combater os avanços comunistas e defender os direitos humanos e da democracia. Depois do fim da União Soviética, restaram apenas estas duas últimas bandeiras.
Não passam de meros pretextos, outras razões têm pesado mais no intervencionismo, como veremos a seguir.
1954 - Golpe na Guatemala
Nessa época, o país era totalmente agrícola, sendo grande parte de suas terras exploradas pela United Fruit, poderosa empresa norte-americana.
Eleito democraticamente, o socialdemocrata Jacobo Arbenz promoveu uma série de reformas sociais, entre elas uma ampla reforma agrária, que tirou trabalhadores rurais da miséria, transformando-os em proprietários de terras.
Sendo os lucros da United Fruit assim restringidos, a CIA organizou um golpe, forçando Arbenz a renunciar. Havia marxistas no governo dele, fato que pesou na decisão de Washington.
O sucessor de Arbenz, o coronel Castillo Armas, inaugurou uma série de brutais ditaduras militares que assolaram a Guatemala durante 25 anos.
1961- Invasão frustrada de Cuba
Com o objetivo de derrubar o regime comunista de Fidel Castro, 1.500 exilados cubanos apoiados, treinados e financiados pelos EUA invadiram Cuba, desembarcando na Baía dos Porcos.
Esta operação, planejada pela CIA, foi um fracasso total, derrotada pelas forças de Fidel Castro.
1964 – Golpe militar no Brasil
Revelações posteriores comprovaram a ativa participação dos EUA na articulação do golpe militar que derrubou o governo trabalhista de Jango Goulart.
O fator dominante foram os interesses geopolíticos dos EUA, que viam sua hegemonia continental ameaçada pela política independente de Jango, apoiado pelos comunistas. O golpe, supostamente em defesa da democracia, depôs o presidente
E brindou o Brasil com 21 anos de ditadura militar.
1965 – Invasão da República Dominicana
Eleito presidente em 1962, Juan Bosch promulgou uma constituição liberal, com amplas liberdades, reforma agrária e direitos trabalhistas.
Derrubado por golpe militar, Bosch recuperou a presidência através de um contragolpe liderado pelo general Caamaño.
Temendo que a República Dominicana virasse uma nova Cuba, os EUA invadiram o país com 42 mil soldados e 41 navios de guerra, apoiados por forças de outros países, inclusive da ditadura do Brasil.
Venceram, tendo em seguida apoiado a eleição de Joaquin Balaguer, num pleito de legitimidade altamente discutível.
Balaguer governou 34 anos, oprimindo a oposição e negando a liberdade de expressão.
1973 – Golpe militar no Chile
Depois do presidente eleito do Chile, Salvador Allende, estatizar uma série de empresas privadas estrangeiras, os EUA passaram a vê-lo como um possível aliado da União Soviética.
Golpe militar derrubou o governo Allende, com o apoio da CIA e a sustentação entusiasta do secretário de Estado, Henry Kissinger.
O general Pinochet, o líder golpista, governou o Chile ditatorialmente durante 17 anos, nos quais 40 mil opositores foram torturados e mais de 3 mil assassinados pelas forças da repressão.
1976 – Golpe Militar na Argentina
O governo corrupto e ineficiente de Isabelita Peron estava criando o caos na Argentina. Por isso, o golpe militar deflagrado pelos militares, em 1976, foi até bem recebido pelo povo.
Cedo, porém, esse sentimento se desvaneceu diante das brutais violências do regime contra os opositores, especialmente esquerdistas. Sucederam-se inúmeros sequestros, assassinatos, torturas, detenções ilegais, execuções e até os raptos de 500 crianças de pais mortos pelo regime, posteriormente confiadas a famílias dos repressores.
No que foi talvez o mais bárbaro dos regimes ditatoriais da América Latina, 30 mil pessoas foram executadas pelos órgãos de segurança, inclusive atiradas de aviões no rio da Prata.
Nesse terrível episódio histórico, aparece a figura de Henry Kissinger, o chanceler dos EUA. Em conversa privada com ele, o chanceler argentino insinuou que seu governo teria de apelar para sistemáticos abusos dos direitos humanos.
Kissinger ponderou: “se há coisas que precisam serem feitas, as façam rapidamente”.
Conforme o embaixador norte-americano em Buenos Aires afirmou ao governo de Washington, as palavras do secretário de Estado tinham sido interpretadas pelos militares argentinos como uma “luz verde” para continuarem suas táticas brutais contra guerrilheiros, dissidentes liberais e socialistas (The New York Times, 17-3-2016)”.
1983 – Invasão de Granada
A invasão norte-americana desta minúscula ilha de 342 km² e 80 mil habitantes pôs fim a sua experiência socialista.
O próprio presidente Ronald Reagan coordenou o ataque, temendo que o aeroporto em construção pelo governo, amigo de Cuba, poderia ser usado para um futuro desembarque de tropas soviéticas...
1989 – Invasão do Panamá
O ditador Noriega, durante anos fiel integrante da lista de pagamentos da CIA, começava a se tornar incômodo para os EUA.
Tornou-se público sua aliança com os chefões do tráfico internacional de tóxicos.
Informa o El País (30-3-2017): “Se a CIA ainda o via com bons olhos, o DEA, o órgão para o controle das drogas, se inclinava no sentido oposto”. Esta opinião prevaleceu.
O Panamá foi invadido por forças estadunidenses, que utilizaram seus mais modernos engenhos bélicos. Conforme, entusiasmado, disse um dos comandantes da operação: “nós temos todos esses novos dispositivos, mísseis guiados por laser e caças e estamos morrendo de vontade de usar tudo isso”.
E usaram, especialmente nos bairros mais pobres, como El Chorrillo, destroçado de uma forma tal que os motoristas de ambulâncias o chamavam de “Pequena Hiroshima (al Jazeera, 31-1-2016)”.
As forças norte-americanas livraram os panamenhos de um ditador cruel, mas cobraram deles um preço alto: 3 mil mortos, segundo estimativas da ONG Médicos por Direitos Humanos.
1994 – Invasão do Haiti
Finalmente uma intervenção dos EUA por uma boa causa: a reposição no poder do presidente Aristide, deposto por milícias armadas, integradas por figuras sanguinárias dos regimes dos notórios Duvalier, pai e filho.
Pena que, em 2004, 10 anos depois, o comportamento dos norte-americanos foi um tanto dúbio.
Aristide sofreu nova tentativa de golpe, da mesma turma tenebrosa do golpe de 1994.
A comunidade internacional reagiu. E forças dos EUA, Canadá e Chile, sob o guarda-chuva da ONU, entraram no Haiti para assegurar a lei, a ordem e a segurança e facilitar a ajuda humanitária, como conta o The Economist (4-5-2004).
E a revista continua: “Após sua chegada (das forças estrangeiras), houve a expulsão do presidente Aristide... Por uma combinação de rebelião armada, protestos populares e pressão dos franceses e estadunidenses”.
Forçaram Aristide a sair numa boa, conforme depoimento do próprio.
2002 - Tentativa de golpe na Venezuela
Com três anos de governo, o presidente Chávez incomodava os EUA com suas posições frequentemente contrárias às da Casa Branca. Idêntico sentimento dominava as oligarquias locais, opostas às políticas chavistas que privilegiavam os investimentos sociais do governo.
O golpe resultante desta comunhão de interesses, desferido em 2002, chegou a depor e prender o presidente.
Mas durou apenas 48 horas. Diante dos imensos protestos populares, os militares recuaram e Chávez voltou ao poder.
Bush deve ter lamentado essa reviravolta. Afinal, pressuroso, ele tinha apoiado o golpe, logo depois de sua prematura efetivação.
2019: Golpe na Venezuela
Autoridades da Organização dos Estados Americanos revelaram ao The Observer que a Casa Branca estava a par da autoproclamação de Guaidó, aprovada previamente por Washington.
Diante destas 10 intervenções militares em república vizinhas, não seria de estranhar que os EUA estivessem executando mais uma, na Venezuela. Indícios não faltam.
Altas horas da noite, numa ligação telefônica, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, exortou Juan Guaidó a proclamar-se presidente da Venezuela. E garantiu ao venezuelano que teria o apoio dos EUA.
Este episódio “implementou um plano que vinha sendo desenvolvido secretamente nas semanas anteriores, complementado por conversações entre autoridades norte-americanas, aliados, legisladores e figuras chave da oposição na Venezuela”.
Quem fez esta denúncia não foi nenhum jornal esquerdista (ou mesmo globalista marxista), mas sim uma das vozes do capitalismo local, o Wall Street Journal, edição de 29 de janeiro de 2019.
The Donald já pensava em usar da força bruta para destronar Maduro desde o ano retrasado. Numa reunião com o ex-secretário de Estado, Rex Tillerson, e o ex-conselheiro de Segurança Nacional, MacMaster, e também num jantar com o presidente da Colômbia, Ivan Duque, ele levantou a ideia da invasão da Venezuela. Mais comedido, MacMaster teve o maior trabalho para dissuadir seu chefe (Truth Out, 2-2-2019).
Neste ano, John Bolton, o atual conselheiro de Segurança Nacional, declarou em entrevista à Fox News: “estamos conversando com as maiores empresas, agora, acho que estamos tentando chegar aqui ao mesmo fim e resultado”.
Mais adiante ele explicou qual seria este resultado: “Faria uma grande diferença para os EUA economicamente, se nós tivermos petrolíferas norte-americanas investindo e explorando as reservas de petróleo venezuelanas”. Aparentemente, a oposição a Maduro não pretende dissuadir esse belicoso falcão do país de Tio Sam.
Carlos Vechio, representante de Guaidó em Washington, declarou ao Bloomberg que era propósito do seu chefe cancelar a atual exigência de que a PDVSA (estatal petrolífera venezuelana) mantenha 51% de participação em qualquer projeto de parceria com empresas privadas.
Em nossa avaliação, os EUA não querem mesmo invadir a Venezuela. Seu povo está farto de guerras externas e The Donald está de olho nas eleições de 2020. Não convém contrariar os eleitores.
A ideia é deixar os venezuelanos cada vez mais famintos e sem medicamentos.
É a medieval estratégia da fome, posta em prática pela Arábia Saudita na guerra do Iêmen, e pelo próprio Trump, contra o povo do Irã.
As armas da Casa Branca nessa guerra são as sanções decretadas pelo morador da Casa Branca: a usurpação dos ativos financeiros venezuelanos nos EUA, no valor de 7 bilhões de dólares, e o corte das importações norte-americanas desse produto, que neste ano representariam 11 bilhões de dólares.
Agora vejamos: a Venezuela importa a maior parte dos alimentos e medicamentos que necessita. Para realizar estas operações usa as receitas proveniente das exportações do petróleo, que representam 95% do total do seu comercio externo.
Se já não dispõe de recursos suficientes para importar os alimentos e remédios necessários, o que será do seu povo quando as sanções cortarem 11 bilhões de dólares da minguada receita do governo?
Esta odiosa tática de fazer do povo refém pode dar errado.
A ira popular, hoje lançada contra Maduro, tenderia a voltar-se contra os EUA, que passariam a ser os responsáveis pelo aumento da fome no país.
Com a ajuda da Rússia e principalmente da China, talvez o povo consiga resistir mais tempo do que o previsto pelos estrategistas de Washington e da oposição.
Enquanto isso, Maduro vai recuperar parte do seu prestígio, enquanto o antiamericanismo e o bolivarianismo ressurgirão com força total. Sem contar que a China e a Rússia ganharão espaço precioso não apenas no país de Chávez, mas também em toda a América Latina.
Acredito que The Donald já tenha pensado nesta hipótese de efeito bumerangue. Com o seu ameaçador “todas as opções estão sobre a mesa”, ele dá a entender que, antes que seja tarde, poderá mandar tropas à Venezuela, loucas para experimentar as novas armas.
Os países que, para agradar o país mais poderoso da terra, clamam que o tempo dos acordos já passou, deveriam moderar sua ansiedade e ouvir a proposta de mediação que o papa Francisco acaba de fazer. Ou, pelo menos, colocar essa opção sobre a mesa.