Emissoras de rádio e TV de todo o país começam a veicular nos próximos dias um convite às mulheres para que se façam mais presentes nos espaços de poder, concorrendo a cargos eletivos. A campanha, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi lançada nesta quarta-feira (19), em sessão do Congresso, no Plenário do Senado. A iniciativa objetiva conscientizar a população sobre a grave sub-representatividade feminina na política brasileira.
O Brasil é um dos países com piores índices de participação de mulheres no Legislativo e no Executivo: de cada dez eleitos, nove, em média, são homens. E, mesmo tendo elegido uma presidente da República, ocupamos um constrangedor 156º lugar num ranking de 188 nações sobre igualdade na presença de homens e mulheres nos parlamentos.
Com o slogan “Faça parte da política” e a hashtag #vempraurna, será a primeira campanha institucional do TSE sobre o tema. A ação é fruto de emenda incluída pelo Senado na minirreforma eleitoral (Lei 12.891/2013), aprovada pelo Congresso no ano passado.
A lei estabelece que, em anos eleitorais, de março a junho, o TSE “poderá promover propaganda institucional, em rádio e televisão, destinada a incentivar a igualdade de gênero e a participação feminina na política”. Assim, a primeira campanha já terá como foco as eleições deste ano.
Autora da emenda na minirreforma, a procuradora da Mulher no Senado, senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), acredita que a ação do TSE vai chamar a atenção do país para o problema da sub-representatividade. Ela diz que as questões que restringem o acesso delas aos espaços de poder não são típicas do Brasil, acontecem em todo o mundo. A diferença, afirma, é que outras nações procuram mecanismos de combate, enquanto no Brasil o avanço é lento e o Estado pouco se manifesta.
“Desde a conquista do direito ao voto pelas mulheres, a evolução de nossa presença no Parlamento é pequena. As mulheres são 52% do eleitorado, mas menos de 10% nos parlamentos. Falta estabelecer políticas que permitam essa participação, faltam campanhas permanentes que esclareçam a sociedade”, afirma a senadora.
Discriminação
No Congresso, as representantes do sexo feminino são apenas 9 dos 81 senadores e 45 dos 513 deputados. A desproporção se repete nos Legislativos e Executivos estaduais e municipais.
Quando avalia as causas da baixa representatividade, Vanessa Grazziotin frisa que é equivocada a ideia de que “mulher não gosta de política, não quer concorrer”. A questão, acredita, é mais complexa: “Elas não concorrem não porque não querem, mas porque não têm espaço, são discriminadas nos partidos”.
Também para a secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da presidência da República, Vera Soares, a sub-representação no Brasil é inquietante, pois não condiz com o avanço feminino na sociedade. Apesar das barreiras culturais que ainda enfrentamos na questão de gênero, o país tem um ambiente que propiciaria maior participação, analisa.
“As mulheres brasileiras têm conquistas importantes em vários campos: temos uma presidente mulher, nossa escolaridade é maior, a participação na economia e a inserção no mercado de trabalho são crescentes. E temos um forte movimento social com presença feminina marcante”, disse.
Vera Soares cita pesquisa recente do Ibope e do Instituto Patrícia Galvão que revelou que oito em cada dez brasileiros acreditam que deveria ser obrigatória a participação paritária de mulheres e homens nas casas legislativas municipais e 74% afirmam que só há democracia de fato com a presença de mais mulheres nos espaços de tomada de decisão.
“Isso mostra cultura política junto à população”, diz a secretária, que defende a mudança da legislação eleitoral como uma das principais estratégias para promover a igualdade no poder.
Cotas polêmicas
A legislação eleitoral estabelece que os partidos devem preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo - medida que, na prática, destina-se a garantir uma reserva de vagas para as candidatas.
Também determina o repasse de, no mínimo, 5% dos recursos do fundo partidário para criação de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. A lei prevê ainda que pelo menos 10% do tempo de propaganda partidária gratuita seja destinado às mulheres. Tudo isso, porém, não tem bastado. Muitos partidos apenas inscrevem mulheres nas chapas, sem investir de fato nas campanhas delas.
Em encontro com parlamentares e representantes do Executivo no Congresso, em dezembro, a subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko, disse que o Ministério Público vem punindo legendas pelo descumprimento da lei. Segundo a subprocuradora, muitos partidos têm usado “mulheres-laranja” para cumprir a cota.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o MP identificou cerca de 1,4 mil candidatas que quase não tiveram votos nem gastaram com campanha, o que seria um indício da fraude. “Isso quer dizer que a lei de cotas não está sendo suficiente. Partidos têm encontrado caminhos para perpetuar essa diferença entre gêneros”, criticou.
Na avaliação de Vanessa Grazziotin, é preciso uma reforma política profunda para mudar o quadro. De outra forma, não se alcançará uma representação mais significativa que os 8% ou 9% atuais, acredita. Para a senadora, o ponto-chave da mudança seria a adoção de listas fechadas de candidatos de cada partido, com alternância de nomes de homens e mulheres para garantir equilíbrio.
Ela cita o exemplo da Argentina, onde a participação feminina saltou de 10% para 30% por conta da adoção da lista fechada, de cotas estabelecidas internamente pelas legendas e outras alterações no processo eleitoral.
Coordenadora da bancada feminina na Câmara, a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) concorda com a proposta. “Lista fechada com alternância de gênero é a única forma. Com listas pré-ordenadas, você garante a cota de vagas, e não apenas a cota de candidaturas”, disse.
Fiscalização eficaz para fazer com que os partidos cumpram a lei é outra estratégia, frisa a deputada. A bancada feminina do Congresso e as Procuradorias Especiais da Mulher do Senado e da Câmara têm conversado com integrantes do MP e do TSE para que endureçam normas de controle, fiscalização e punição dos partidos que não cumprem a lei, como aconteceu no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde legendas foram punidas por não destinar recursos do fundo às candidaturas femininas, não cumprir cota ou desrespeitar o tempo de TV.
Em encontro com a bancada feminina no TSE em dezembro, o ministro Marco Aurélio já havia garantido a senadoras e deputadas mais fiscalização neste ano, além da execução da campanha de divulgação proposta na minirreforma.
Atuação conjunta
Em conjunto com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, as parlamentares também solicitaram à Procuradoria-Geral da República que reúna presidentes dos partidos políticos para alertar sobre o cumprimento da lei e a necessidade de reduzir a disparidade de gênero. A reunião deve acontecer ainda neste mês.
O tema da representatividade na política tem mobilizado a Bancada Feminina do Congresso e as Procuradorias da Mulher do Senado e da Câmara, que lançaram em 2013 a campanha “Mulher, Tome Partido!”. O objetivo era aumentar o número de filiadas aos partidos políticos até outubro passado - prazo final de filiação para concorrer nas eleições deste ano - e garantir mais candidaturas para fortalecer o quadro feminino no Congresso. Já se vê um resultado: de outubro de 2012 a outubro de 2013, as mulheres foram maioria (64%) entre as pessoas que ingressaram em legendas no país.
A campanha segue com outras ações. Em dezembro, foi lançado o livreto “Mais Mulher na Política - mulher, tome partido!”, com dados que mostram a baixa presença feminina na política e propostas para enfrentamento do problema. Agora, a estratégia é levar a mensagem aos dirigentes partidários e às mulheres nos estados e municípios.
Mais mulheres no poder
Dentro da programação do Mês da Mulher no Congresso, a SPM lançou na última terça-feira (18), na Câmara, a Plataforma Mais Mulheres no Poder. Feita em parceria com o Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e a Bancada Feminina das duas Casas, a publicação apresenta princípios orientadores sobre questões determinantes para a população feminina e que podem ser incorporados nas plataformas dos concorrentes nas próximas eleições.
“O intuito é contribuir para o programa das candidatas e dos candidatos, mostrando temas que são relevantes para as mulheres em áreas como saúde, educação, enfrentamento da violência, trabalho. São questões que elas querem ver nos programas”, explica Vera Soares.
A programação segue até o fim de março. Nesta quinta (20), o Projeto Quintas Femininas discute o avanço das estruturas legislativas direcionadas às mulheres. No dia 25, sessão solene do Congresso marcará a entrega do Prêmio Bertha Lutz, e, no dia 26, acontece a aula inaugural do curso Gênero e Atuação Legislativa.
Fonte: Agência Senado.