Autor de mais de 60 livros,
editados no Brasil e no exterior, Carlos Alberto Libânio Christo, ou
simplesmente Frei Betto, concedeu uma entrevista exclusiva à CTB-MG no último
sábado (24), em Belo Horizonte, durante o lançamento do seu livro “Fé e afeto:
espiritualidade em tempos de crise”. Frei Betto falou sobre a Operação Lava
Jato, desemprego, cortes na educação e as recentes queimadas na Amazônia. Para
o frade dominicano, a série de reportagens publicadas pelo site The Intercept
Brasil sobre os bastidores da Operação Lava Jato mostra que, em nome do combate
à corrupção, “formou-se na magistratura brasileira uma grande quadrilha”.
“Eles preservaram de investigação
e punição os seus protegidos, os seus amigos, aqueles que lhes pagavam fortunas
para fazer palestras e puniram sem consistência, sem provas, pessoas que são
notoriamente inocentes como o ex-presidente Lula”, afirmou ele.
No próximo dia 02 de outubro, às 19h, na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais (Praça da Liberdade), o escritor estará novamente em Belo Horizonte para lançar dois livros: Minha avó e seus mistérios: Memórias inspirativas (Editora Roco) e Marxismo ainda é útil? (Editora Cortez)
Leia abaixo a entrevista na
íntegra
De acordo com os dados mais
recentes do IBGE, a taxa de desemprego está em 12,5%. O número de pessoas
desocupadas chegou a 13,2 milhões, uma alta de 4,4% em relação ao trimestre
anterior. O discurso do governo de que a reforma Trabalhista iria mudar esse
quadro não se confirmou. Essa também é a sua avaliação?
O golpe implementado pelo Temer contra
o governo democrático e popular presidido pela presidenta Dilma foi um fracasso
total. O golpe foi dado sobre o pretexto de que melhoraria a economia, de que o
Brasil voltaria a ter desenvolvimento e nada disso aconteceu e nada disso tem
acontecido agora no governo Bolsonaro. A
situação econômica se agrava, não há perspectiva, a médio ou longo prazo, muito
menos a curto prazo, de que essa situação vai melhorar. Estamos entrando num
retrocesso brutal. O Brasil hoje é governando por um maluco que se refere
a coisas no “varejo” e jamais no atacado. O presidente não fala em desemprego,
desigualdade social, a questão da inadimplência, da saúde, da educação. Ele
ignora solenemente esses temas. Eu creio que a situação tende a piorar, a menos
que nós reforcemos a reação popular. Isso é que é importante hoje, ou seja, o empoderamento
popular.
A educação tem sido a área
mais afetada pelos cortes orçamentários promovidos pelo governo Bolsonaro, de
acordo com os números do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A pasta
já perdeu R$ 5,84 bilhões. Como reverter essa situação e interromper esse
ataque à educação?
Isso é muito grave. Mostra que é
um governo que segue aquele ditado nazista: Quando se fala em cultura,
engatilha o revólver. Não interessa a esse governo uma educação de qualidade,
muito menos uma educação crítica. É um governo fundamentalista, que vê o
fantasma do comunismo, coisa que já não existe mais no mundo, por todo lado.
Exceção é o socialismo cubano, mesmo assim já não é aquele comunismo caricatural
que muitos pensam. Creio que a situação no Brasil vai se agravar, daí a
minha esperança que o movimento estudantil, cada vez mais, se mobilize, se
organize, reaja, para que tenhamos uma educação de qualidade, uma educação
gratuita, pública, com ampla abrangência para todos os brasileiros que
realmente necessitam ter uma escolaridade completa, tanto do ponto de vista
acadêmico como do ponto de vista profissional.
Como o senhor avalia a série
de reportagens do site “The Intercept Brasil” sobre os bastidores da Operação
Lava Jato?
É algo muito importante. Mostrou
a grande maracutaia que é a Lava Jato. Embora eu defenda o rigor da punição à
corrupção, lamentavelmente o exercício dessa missão cívica e ética foi entregue
a um grupo de bandidos, comprovado agora por tudo isso que o The Intercept
Brasil tem divulgado. Eles preservaram de investigação e punição os seus
protegidos, os seus amigos, aqueles que lhes pagavam fortunas para fazer
palestras e puniram sem consistência, sem provas, pessoas que são notoriamente
inocentes como o ex-presidente Lula. Portanto, esse sistema seletivo de
perseguição e punição mostra que, em nome do combate à corrupção, formou-se na
magistratura brasileira uma grande quadrilha. Felizmente desmoralizada pelas
reportagens do The Intercept Brasil.
Sobre a questão ambiental, os
brasileiros e o mundo assistem preocupados o avanço das queimadas na Amazônia.
O momento é grave?
Sim. Por isso, é muito importante
defender a floresta e os povos originários que a habitam. São povos raros que
foram duramente vítimas do genocídio promovido pelos colonizadores brancos.
Além da preservação ambiental, tem a preservação socioambiental de todas essas
populações originárias que merecem qualidade de vida, dignidade, sem a
perversidade que a “civilização” branca leva, muitas vezes, quando se aproxima
dos povos indígenas. Portanto, a Amazônia é nossa e precisa ser protegida. A
floresta não pode ser adulterada, prostituída, violada pelo agronegócio, pelas
mineradoras, por garimpeiros ou por qualquer um que busca realizar ali a sua
ambição de lucro.
Redação: Anderson Pereira/Jornalista CTB-MG
O livro
Lançado no último sábado em Belo
Horizonte, o livro “Fé e afeto: espiritualidade em tempos de crise” (Editora
Vozes) reúne textos que convidam o leitor a refletir sobre a atual conjuntura
do Brasil e do mundo à luz dos valores do Evangelho. Em linguagem cristalina, o autor
aborda a crise da vida espiritual e abre sendas de esperança. Tolerância, fé e
política, ética e justiça são temas recorrentes na obra.
“Distopia é o oposto de utopia. O
apagar da esperança. Sou da geração que tinha 20 anos na década de 1960. Éramos
viciados em utopia. Não queríamos mudar apenas os costumes (revolução sexual,
nova gramática da arte, etc). Queríamos mudar o Brasil e o mundo. Corriam em
nossas veias valores, ideais, projetos históricos. Ousávamos enfrentar a
repressão da ditadura. Inventávamos o futuro”. Trecho de um dos artigos do
livro.
Frei Betto em BH durante o lançamento do livro “Fé e afeto: espiritualidade em tempos de crise”