Por Gilson Reis*
No dia primeiro de junho de 2010 a cidade de São Paulo amanheceu fria, com uma garoa fina e persistente, marca tradicional da capital paulista. A maior cidade do Brasil iniciava mais um dia de rotina, de intensa mobilização urbana. Trânsito caótico, metrô superlotado, milhares de ônibus, milhões de pessoas indo e vindo para mais um dia de trabalho. Em meio à agitação urbana, da super metrópole, um movimento diferente ocorria pelas bandas do Pacaembu. O estádio de futebol mais charmoso do Brasil, palco de muitas batalhas futebolísticas e símbolo da pujança capitalista de São Paulo, recebia naquela manhã milhares de trabalhadores de todos os estados do país para a realização da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, a Conclat.
Depois de trinta anos, os trabalhadores, os sindicatos, as centrais sindicais CTB, CUT, FS, NCST e CGTB organizaram a segunda Conferência nacional da Classe Trabalhadora. Cinco mil sindicatos, cinco centrais sindicais, e aproximadamente vinte e dois mil trabalhadores unidos em torno de um propósito: apresentar à sociedade brasileira uma agenda política dos trabalhadores.
A coesão dos seis eixos temáticos foram articulados a partir de um eixo estruturante: desenvolvimento com soberania, democracia e valorização do trabalho. Os seis eixos temáticos são: 1 – Crescimento com distribuição de renda e fortalecimento do mercado interno; 2 – Valorização do trabalho decente com igualdade e inclusão social; 3 – Estado como promotor do desenvolvimento socioeconômico e ambiental; 4 – Democracia com efetiva participação popular; 5 – Soberania e integração internacional; 6 – Direitos sindicais e negociação coletiva. Cada um dos eixos temáticos foi subdividido em dezenas de propostas que compõem o projeto final. Assim, ao realizar as propostas indicadas no projeto da classe trabalhadora, alcançaremos mudanças profundas e estruturais nas relações políticas, econômicas e sociais no país.
A realização da Conclat é uma manifestação incontestável da maturidade e capacidade reflexiva e propositiva da organização sindical dos trabalhadores no Brasil. A construção da assembléia foi desenvolvida ao longo de dois anos. Muitas reuniões, debates e articulações foram necessárias até se chegar ao documento final.
Mas, por que os trabalhadores do Brasil e o movimento sindical brasileiro estão apresentando ao País uma agenda da classe trabalhadora? Partimos de uma avaliação política que o Brasil está finalizando um ciclo histórico. Este ciclo se iniciou no final dos anos setenta, com a eclosão de centenas de greves que questionaram a ditadura militar e a política econômica do governo João Figueiredo. Esse cenário de crise política e econômica era agravado pelo endividamento externo do país, pela crise do petróleo dos anos setenta e pela intensa mobilização dos movimentos que lutaram pelo restabelecimento da normalidade democrática.
As greves que se iniciaram no ABC paulista e se espalharam por todo o país tiveram como grande liderança um metalúrgico de São Bernardo do Campo: um “tal” de Lula. O movimento de luta política possibilitou a criação e reorganização de importantes entidades populares: CUT, CGT, MST, UNE, UBES, CONAM, CMP. A criação e reorganização partidária: PT, PCdoB, PSB, PCB, PDT. Por tudo que realizou o movimento sindical e popular brasileiro nesta fase histórica, em aliança com setores democráticos, intelectuais e progressistas, possibilitou ao país a abertura de um novo ciclo histórico.
Nesse ciclo histórico, enfrentamos a ditadura militar, ditadura midiática, que ainda hoje impera soberana no País e a ditadura do capital rentista dos anos noventa; as reformas neoliberais (privatizações, Estado mínimo, desregulamentação do trabalho, desregulamentação das políticas públicas, destruição do parque industrial brasileiro). Nesse período de hegemonia neoliberal, enfrentamos a ditadura do pensamento único, a criminalização do Movimento Sindical. Vimos o aumento exponencial da criminalidade, o aumento descomunal da corrupção, a favelização das grandes cidades, o abandono das políticas públicas com permanente mercantilização da saúde e educação, o desemprego estrutural, a concentração fundiária, a destruição do meio ambiente e de muitas outras mazelas que nos afligem no cotidiano.
Ainda neste período vimos emergir ao governo nacional as mesmas forças políticas que iniciaram a ruptura do ciclo anterior. Nestes últimos anos, inicia-se a transição deste ciclo histórico. O metalúrgico Lula se torna o Presidente Lula. As forças de oposição ao governo militar ascendem ao poder, mesmo com todas as dificuldades impostas pela elite nacional e pela estrutura arcaica do Estado Brasileiro o País avança. No entanto, ainda enfrentamos neste período a concentração da renda, a concentração midiática, o poder financeiro nas eleições, o poder judiciário conservador, a fragilização dos direitos trabalhistas, o descaso com os aposentados e pensionistas, o abandono da criança e da adolescência, e muitas outras fraturas presentes na sociedade brasileira.
Contudo, nestes últimos anos, amadureceu numa parcela da sociedade brasileira, com destaque para o Movimento Sindical, a percepção que podemos e devemos iniciar um novo ciclo histórico no Brasil. Um novo ciclo que parte do pressuposto que as medidas políticas e econômicas iniciadas pelo Presidente Lula, mesmo com todas as dificuldades e contradições que um governo de transição comporta, precisam ser aprofundadas e alargadas. Isso quer dizer que precisamos avançar nas mudanças estruturais do Estado brasileiro de forma determinada.
Para avançar neste novo ciclo civilizatório, será preciso alterar a forma de tributar a sociedade brasileira, diminuir a tributação do trabalho e da produção e tributar os ganhos de capitais e grandes fortunas; Realizar uma ampla Reforma Agrária com desconcentração e democratização ao acesso à terra; realizar profundas mudanças na saúde e educação, possibilitando o acesso da população a políticas públicas de qualidade; uma reforma política que avance nas democracias representativa e participativa; uma reforma trabalhista que avance na valorização e democratização do trabalho, uma reforma previdenciária que avance numa política pública de permanente valorização dos aposentados e pensionistas; uma reforma urbana que reorganize o espaço urbano com destaque para a construção de casas populares, dentre várias outras medidas necessárias.
Estas são algumas das questões que os trabalhadores levaram para a Conferência da Classe Trabalhadora e que infelizmente a grande mídia ignorou ou tentou nos últimos dias atacar. Sabemos que mudar as estruturas do Estado brasileiro não é uma tarefa simples. Precisamos acumular e convergir forças para iniciar este novo ciclo histórico. Estamos enfrentando e vamos enfrentar muitos obstáculos, porém, o motor da História avança e com certeza é mais forte que qualquer dificuldade.
A classe trabalhadora e o Movimento Sindical deram o pontapé inicial nesta grande jornada nacional e o cenário não poderia ser melhor: Copa do mundo, Pacaembu e eleições presidenciais. Vamos avançar na construção de um novo ciclo histórico com desenvolvimento, soberania, democracia e valorização do trabalho.
Professor Gilson Reis
Presidente licenciado do Sinpro Minas e da CTB Minas.