Por: Gilson Reis
Os esquemas de caixa dois de Minas Gerais ficaram conhecidos nacionalmente a partir da descoberta do “valerioduto”, planejado e desenvolvido pelo então governador tucano Eduardo Azeredo, nas eleições de 1998. Entretanto, o mensalinho mineiro, assim batizado pela mídia nacional, foi alçado à condição de réu pela Justiça somente na última semana, pelas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Por maioria absoluta, o STF abriu processo criminal contra o ex-governador tucano, derrotado nas eleições daquele ano.
O atual governador mineiro, que possivelmente fora contemplado naquela ocasião pelo esquema de corrupção promovido por Marcos Valério, saiu nos últimos dias em defesa do senador tucano. O motivo é perfeitamente compreensível: após o pleito de 1998, o então deputado federal Aécio Neves assumiu a condição de líder do presidente FHC, além da de presidente da Câmara dos Deputados, o que possibilitou em 2002 sua eleição para o primeiro mandato de governador de Minas. Essa trajetória do governador mineiro tem muito a ver com a estrutura construída naquele período. Atualmente, ele luta desesperadamente para disputar as eleições de 2010 como candidato à presidência da República pela chapa liberal-conservadora.
O governador Aécio Neves, ao sair em defesa do senador Eduardo Azeredo, buscou fortalecer seus laços com seu desafeto público e fortalecer sua pré-candidatura no interior do PSDB. Nesse mesmo sentido, o governador mineiro, até poucos dias, dizia pelos quatro cantos do país que o chefe do Executivo de Brasília, José Roberto Arruda, era o mais eficiente e moderno governante da atual geração de líderes do país. A admiração do governador mineiro pelo líder democrata era tamanha que, na semana passada, o governador Arruda seria o principal orador em ato solene que ocorreria na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, promovido pelo atual ocupante do Palácio da Liberdade. A atividade política foi suspensa às pressas devido ao escândalo provocado pelo líder democrata.
Mas não era somente o governador de Minas Gerais que desfilava toda simpatia ao governador Arruda. Em julho deste ano, a revista Veja trouxe em suas páginas amarelas uma longa entrevista com o governador do Distrito Federal, lhe dando a condição de um governo íntegro, eficiente, rigoroso na administração dos interesses públicos. Ademais, vendeu a imagem de um homem sério que deu a volta por cima, mesmo depois do escândalo do painel do Senado. Conforme a revista Veja, o governador José Roberto Arruda teria se transformado numa grande e promissora liderança nacional.
Feito esse breve relato de uma pequena amostragem da corrupção que impera no país, poderia enumerar dezenas de outros episódios não citados, como o recente caso da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crussis. Não pretendo explorar todas as letras do alfabeto, por que obviamente demandaria páginas e páginas desse artigo. Então, peço licença e dirijo-me ao principal objetivo deste artigo: as eleições de 2010.
Desde os primórdios da República, a elite conservadora brasileira transforma as eleições presidenciais em palco de discussão da moralidade, abstraindo do debate os grandes temas que uma disputa dessa natureza evoca. Para citar alguns exemplos clássicos, cito o general Dutra, o presidente Jânio Quadros, com a vassourinha, e Fernando Collor de Mello, com os marajás. Em todos essas disputas eleitorais, a população brasileira foi direcionada e condicionada a debater a corrupção, em detrimento dos grandes temas nacionais. Essa forma de fazer política tem origem na República Velha, mais precisamente na UDN, e manteve-se viva na estrutura de poder, incrustado no interior do Estado brasileiro, a partir de suas organizações paralelas, em especial a grande mídia.
Nesse contexto, é importante lembrar que transformaram a CPI dos Correios em mensalão do governo Lula, e na seqüência em crise institucional. O que não ficou claro naquele período é que o esquema de caixa dois de 1998 do governador Eduardo Azeredo tinha sido o precursor do escândalo de 2005. A tentativa mais uma vez da elite liberal-conservadora foi transformar as eleições de 2006 entre éticos e não éticos, deixando de lado o debate político, que naquele período se dividia entre dois projetos antagônicos: o neoliberal e o desenvolvimentista. Felizmente o projeto comandado pelo governo Lula saiu vitorioso, mesmo com todo o tensionamento provocado pelos setores conservadores e pseudomoralistas da sociedade brasileira.
Nesse sentido, as denúncias dos últimos dias, apesar de nos deixar ainda mais indignados e descrentes com o processo político brasileiro, abre uma grande possibilidade de transformar as eleições de 2010 num debate franco e aberto –colocando na pauta política nacional os principais dilemas e entraves do país –, bem como indicar os caminhos a percorrer para que possamos superar esses desafios históricos.
Muitas são as questões de fundo, como as relações internacionais, a política macroeconômica, as reformas estruturais que o país necessita, a política de geração e valorização do emprego, a reforma agrária, a exploração do pré-sal, além de vários outros temas que estão na pauta e precisam de debate franco e responsável.
Contudo, é preciso afirmar que o processo eleitoral está somente começando, como também devemos reafirmar que o Brasil inicia um novo ciclo histórico, com extraordinário potencial político, econômico e social. Porém, para iniciar esse novo ciclo, será preciso adotar algumas iniciativas inadiáveis. A primeira é sem sombra de dúvida uma ampla e profunda reforma política, que aprofunde a democracia, amplie a participação popular, defina o financiamento público de campanha e estabeleça medidas duras e severas para evitar desvio de dinheiro.
Do mesmo modo, é preciso ressaltar que os escândalos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito Federal são apenas esquemas regionais que vieram à tona devido à interferência da Polícia Federal e do Ministério Público. Provavelmente nenhum governo estadual passaria pelo crivo da moralidade, pois, em sua grande maioria, foram eleitos pelo caixa dois e esquemas de obras públicas superfaturadas. Dessa forma, ou mudamos a estrutura eleitoral carcomida e corrupta que impera nas eleições ou então seremos permanentemente “brindados” com denúncias dessa natureza.
Gilson Reis - Presidente do Sinpro Minas e da CTB Minas.
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