A pejotização também atinge trabalhadores do campo
Nelson Rufino de Paula é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa da Prata, cidade da região central do estado e da nascente do Rio São Francisco. A produção e o beneficiamento de cana de açúcar são atividades econômicas de destaque no município. Já na década de 1960, foi fundada a Fazenda Luciânia, propriedade da família de Antônio Luciano, que a História eternizou como um dos maiores grileiros de terras de Minas Gerais.
A área que antes era de Luciano hoje é comandada pela LDC Commodities, multinacional francesa que trabalha com a monocultura. Seus canaviais são cortados por três lagos e três rios, entre eles o São Francisco. Segundo o documento Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco, a monocultura ocupa 85% da área do município de Lagoa da Prata. E nessa entrevista, Nelson Rufino revela: na prática, muitos companheiros são trabalhadores. No papel, eles são empresários com CNPJ. Ao invés de ser mantido no posto de trabalho com contrato regido pela CLT, o trabalhador entra individualmente como prestador de serviço. É a chamada pejotização, que precariza as relações de trabalho no campo e na cidade.
CTB - O que mudou após a greve de 45 dias realizada em 2009?
NR - Nos últimos três anos, fizemos Operações Tartaruga de 45 dias. Esse ano fizemos uma greve de aproximadamente 72 horas no mês de março. O que mudou, primeiramente, foi a união de três sindicatos (Trabalhadores Rurais de Lagoa da Prata e de Japaraíba e Sindicato da Indústria e Comércio de Lagoa da Prata). Essa união é importante, porque cada sindicato ficava tentando ser melhor que outro. A gente entendeu que os três juntos se fortalecem para conseguir benefícios para o trabalhador e em possíveis negociações dos anos seguintes. Com os três sindicatos desunidos, a empresa estava rebaixando salários e agente conseguiu reverter essa posição. A gente conseguiu manter a redação do Acordo Coletivo e aumento de 6% (...).
CTB - Qual o piso dos trabalhadores?
NR - Hoje temos o salário mínimo acrescido de 6% por cento. Lembrando que os valores mudam de acordo com a produtividade. Há trabalhadores que cortam 17 toneladas de cana por dia.
CTB - Quantas mortes e acidentes do trabalho foram registrados esse ano?
NR - No setor agrícola tivemos uma morte. Em 2009, tivemos duas mortes, inclusive meu irmão. Ele era terceirizado da LDC, trabalhava no transporte de cana e tinha um trator. Ele foi ajudar um companheiro de serviço a desacoplar uma carreta, e como tinha só um ajudante, o tratorista não viu que ele estava entre as carretas. Agente ainda tem trabalhadores que estão se afastando do trabalho por problemas na coluna, nos braços, LER e problema de depressão.
CTB - Em Lagoa da Prata a terceirização ainda é uma estratégia para burlar a legislação trabalhista?
NR - Olha, eu não vejo por esse lado, até porque tem acompanhamento do Ministério do Trabalho, e o sindicato faz várias denuncias. Os Auditores Fiscais do Trabalho falam que a empresa não pode terceirizar, mas eu não vejo ninguém fazendo algo para acabar com o esquema de terceirização de Lagoa da Prata. Se é ilícito, que não exista.
CTB - Como você caracteriza esse esquema de terceirização?
NR - Da forma que foi feita, não posso te responder se é ilegal ou não. Foi feita uma lavagem cerebral no trabalhador. Imagina um trabalhador com um patrimônio, uma máquina, caminhão, trator ou colheitadeira de cana... Alguns já trabalhavam há 30 anos e a empresa dispensou todos, pagou todos os direitos trabalhistas. No dia seguinte, eles viraram patrões com CNPJ. Todos têm que fazer contratação de funcionários para tocar o patrimônio. Muitos não sabem escrever sequer o nome, não tinham controle do patrimônio que iam administrar.
CTB - E vocês representam esse público?
NR - Não, a gente representa os funcionários deles. Mas há cinco anos a gente representava eles. É um ninho de gato que eu vou te contar ...
CTB - E quanto às condições de higiene e dos locais de trabalho e alimentação?
NR - A parte do corte de cana está tranqüila. Existe um alojamento que é modelo para as outras usinas. Quando se vai falar do cortador que sai da cidade, todos a empresa já oferece marmita térmica, água refrigerada, toldos nos ônibus e cadeiras para o trabalhador almoçar sentado. Temos banheiro, vasos e pisas para lavar. Em lagoa da Prata, isso existe há seis anos e foi conquistado por meio de Convenção Coletiva de Trabalho. Para o corte mecanizado, a empresa em 2009 foi autuada pelo Ministério do Trabalho, e ela veio a estender esse benefício a todos.
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