A onda conservadora que
atinge o mundo chegou ao Brasil. É o que alerta feministas ouvidas pelo Portal Vermelho,
que reagiram à aprovação do Estatuto do Nascituro na Comissão de Finanças da
Câmara. Para impedir seu avanço, elas se rearticulam e preparam atos em todo País.
Na quarta-feira (5), a Comissão
deu aval para a proposta, conhecida pelo movimento de mulheres também como “bolsa
estupro”. De acordo com o texto, fica estabelecida a proteção jurídica à pessoa
desde a concepção, antes mesmo de seu nascimento e garantida, inclusive, uma
pensão alimentícia do pai, se identificado, ou do Estado. O projeto agora será
analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser votado em
Plenário.
“Nos posicionamos contrárias
a esse projeto. O texto atenta contra a autonomia da mulher sobre o seu próprio
corpo e, com isso, mantém a instituição do patriarcado, que domina a partir dos
seus mecanismos e conexões com as classes dominantes. É preciso que haja o
enfrentamento ao patriarcado e às sociedades de classes que dominam a opinião
pública. Temos uma histórico de luta e, agora, o movimento de mulheres precisa
resgatar esses direitos”, declarou Lúcia Rincon, que integra o Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), ligado à Secretaria Nacional de
Política para Mulheres.
Na manhã desta quinta-feira
(6), o CNDM divulgou uma nota se posicionando contra o PL 489/07, de autoria do
ex-deputado Luiz Bassuma e Miguel Martins. “O Estatuto do Nascituro viola os
direitos das mulheres e descumpre preceitos constitucionais de previsão e
indicação de fonte orçamentária, objeto de discussão naquela Comissão”, diz um
trecho do comunicado.
Para impedir o avanço no
Congresso Nacional, a conselheira destacou a importância do papel do Conselho e
das parlamentares na atuação dentro do Congresso Nacional. “Vamos nos
rearticular para impedir esse PL que além de ser um retrocesso na conquista de
direitos, é inconstitucional”, avisou Lucia Rincon, lembrando que garantir
direito à vida do embrião em detrimento da vida da mulher fere direitos
constitucionais à saúde, à liberdade, à igualdade e à não discriminação.
“Está ocorrendo uma
verdadeira caça às bruxas no Congresso. É um retorno à Era Medieval, onde
centenas foram queimadas e crucificadas. E, para pressionar lá dentro (Congresso
Nacional), é preciso mobilizar aqui fora. O movimento, que sempre lutou pelo
empoderamento da mulher e igualdade de gênero, deve ir às ruas, escolas,
universidades para debater com a sociedade e denunciar os retrocessos que podem
ocorrer”, completou Elza Campos, coordenadora nacional da União Brasileira de
Mulheres (UBM).
Tanto Elza, quanto Lúcia
lembram que desde quando o PL surgiu, em 2007, as mulheres vem travando o
debate, como o caso dos anencéfalos. No entanto, elas lembram que a pauta de
gênero é pouco abordada pela mídia e, quando é, não são ouvidas as organizações
feministas. “O movimento vem cumprindo seu papel de denunciar. Mas, falta
visibilidade. As notícias da imprensa burguesa defendem a manutenção do
patriarcado e dão espaço a grupos religiosos que defendem projetos como esse”,
completou Lúcia Rincon.
Estado é laico
As organizações de mulheres
também denunciam que o PL fere o Estado Laico instituído no país. Para elas,
está claro que o texto defende o que é pregado por doutrinas religiosas.
“Essa pauta conservadora é
uma realidade do Congresso Nacional hoje. A aprovação é uma tentativa de
setores religiosos de impedir o direito de cidadania das mulheres e até
contraria pesquisas que mostram que a sociedade é majoritariamente favorável ao
aborto legal, no caso de estupro principalmente”, afirmou Yury Puello Orozco,
da equipe de coordenação da organização Católicas pelo Direito de Existir.
Ela lembrou, ainda, a
condição da mulher vítima de estupro: “Para receber pensão essa mulher terá que
dizer que sofreu um estupro, se submeter a um processo. Ou seja, ela será
duplamente violentada: na vida e no papel. Além disso, de uma certa forma, você
está remunerando o estuprador”.
Yury lembrou que existe uma
onda conservadora no mundo, citando casos atuais como na Europa onde alguns
direitos também vêm sendo questionados. Mas a militante ressalta que há focos
de resistência, como em El Salvador, na América Central, onde ocorreu o recente
caso da jovem Beatriz, de 22 anos, que estava grávida de um bebê anencéfalo e
corria risco de morte por ser portadora de lúpus e de uma insuficiência renal
grave. Lá, o aborto é proibido em todos os casos. Mas, após forte pressão do
movimento feminista internacional, ela foi submetida a uma cesariana para a
retirada do feto.
No entanto, Yury Puello
lembrou que as religiões possuem diferentes correntes e que não são todas que
possuem traços conservadores. “Dentro do catolicismo existem diferentes
correntes. Tanto as organizações que são mais progressistas, quanto às que vão na
linha do atual papa Francisco”, explicou.
“Ora se ele se diz um papa
que defende os pobres, gostaríamos de entender de quais pobres ele está
falando, porque ao defender a vida desde sua concepção como tem feito, deixa de
lado o direito das mulheres, que são, em sua maioria, pobres que não têm acesso
à atenção básica de saúde e de prevenção”, posicionou-se a integrante das
Católicas pelo Direito de Existir, referindo-se à feminização da pobreza.
Mobilização
O movimento de mulheres
organiza para o sábado (15) atos em todo país contra o Estatuto do Nascituro.
Entre as organizações que já confirmaram estão a Marcha Mundial de Mulheres e a
Marcha das Vadias. “Precisamos de uma nova estratégia e uma presença forte para
contrapor esse cenário conservador. Uma nova forma de linguagem vem somar às
reivindicações históricas das mulheres”, opinou Yury sobre os movimentos mais
contemporâneos como a Marcha das Vadias.
“Temos mais um espaço de
denúncia contra o modelo cultural baseado no patriarcado e consequentemente no
machismo”, defendeu Elza Campos.
E a mobilização para impedir
o avanço do PL parece já ter seus primeiros resultados. Uma petição na página
Avaaz.org foi lançada no final de abril deste ano para mobilizar a sociedade contra
a proposta do Estatuto do Nascituro. No dia 9 de maio, 4 mil pessoas haviam
assinado. Na manhã desta quinta (6), depois da aprovação na Comissão da Câmara,
haviam 27 mil adesões. Até o final desta matéria, o número chegou a 55.466.
Acesse a petição aqui.
Fonte: Portal
Vermelho.
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