Além de alertar para a inconstitucionalidade do Projeto 5943/2013, que altera a jornada dos motoristas de transporte rodoviário de cargas e de passageiros para até 12 horas diárias de trabalho, a deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG) apontou hoje (15) durante discurso da tribuna da Câmara, as perspectivas de mais acidentes com mortes nas estradas. Suas afirmações estão amparadas no parecer do desembargador Sebastião Oliveira, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
A partir de uma análise da proposição ele prevê o recrudescimento do volume de acidentes no caso de a matéria ser aprovada da forma em que está, em razão da jornada extenuante de trabalho. “Acredito que teremos um aumento do número de acidentes do trabalho – muitos deles serão fatais – e, consequentemente, mais processos indenizatórios na Justiça”.
Segundo o desembargador Sebastião Oliveira, “as consequências da fadiga têm sido definidas como um fator contribuinte para os acidentes, lesões e as mortes em diversas condições de trabalho, com a implicação de que as pessoas cansadas, com respostas mais lentas, são mais propensas a estes riscos. O papel da fadiga nos acidentes pode variar consideravelmente dependendo da gravidade e das circunstâncias dos acidentes. De forma geral, as taxas de porcentagens variam entre 1% e 29%”.
Ao rebater as propostas da proposição, até mesmo de fixar a ampliação da jornada por acordo coletivo, o desembargador sugere mudanças e reitera as palavras da professora e estudiosa da Universidade de São Paulo, Edith Seligmann: ‘quanto mais prolongada for uma jornada de trabalho na qual um trabalhador necessite concentrar sua atenção, maior será o cansaço tanto físico quanto mental’. Complementamos tal raciocínio afirmando que quanto maior o cansaço, maior o risco de acidentes”, diz.
Discurso
Eis a íntegra do pronunciamento da deputada federal Jô Moraes:
“Senhor presidente, senhoras e senhores deputados,
Preocupada com as conseqüências da ampliação da jornada do motorista rodoviário para 12 horas, solicitei anotações ao desembargador do Trabalho da 3ª Região, doutor Sebastião Geraldo de Oliveira. Seguem abaixo suas considerações.
“Art. 235-C. A jornada diária de trabalho do motorista profissional será de oito horas, admitindo-se a sua prorrogação por até duas horas extraordinárias, ou, mediante previsão em convenção, acordo coletivo, por até quatro horas extraordinárias”, do substitutivo apresentado, anotou o desembargador:
Em primeiro lugar, as normas sobre duração do trabalho têm por objetivo primordial a tutela da integridade física e psíquica dos trabalhadores, a fim de evitar-lhes a fadiga patológica, os acidentes do trabalho e as doenças ocupacionais, muitas delas intimamente ligadas a longas e extenuantes jornadas.
As longas jornadas de trabalho têm sido apontadas como fato gerador de estresse, porque resultam em um grande desgaste para o organismo. O estresse, por sua vez, poderá ser responsável por enfermidades coronárias e úlceras, as quais estão relacionadas também com a natureza da atividade, com o ambiente de trabalho e com fatores genéticos. A par do desgaste para o organismo, o estresse é responsável ainda pelo absenteísmo, pela rotação de mão de obra.
A Professora da Universidade de São Paulo Edith Seligmann Silva, com vasta produção intelectual, focaliza bem a questão das horas extras:
“Quanto mais prolongada for uma jornada de trabalho na qual um trabalhador necessite concentrar sua atenção, maior será o cansaço tanto físico quanto mental. Assim é que, atualmente, torna-se praticamente impossível, além de artificial, distinguir fadiga física de fadiga mental. E, quando o cansaço passa de fisiológico a patológico, isto é, quando o repouso e sono habituais não mais são capazes de superá-lo surge a fadiga crônica”.
Anote-se que as conseqüências da fadiga têm sido definidas como um fator contribuinte para os acidentes, lesões e as mortes em diversas condições de trabalho, com a implicação de que as pessoas cansadas, com respostas mais lentas, são mais propensas a estes riscos.
O papel da fadiga nos acidentes pode variar consideravelmente dependendo da gravidade e das circunstâncias dos acidentes. De forma geral, as taxas de porcentagens variam entre 1% e 29%.
Em estudo realizado, o professor e pesquisador Marco Túlio de Mello, Professor da Universidade Federal de São Paulo – UNIFEST, Coordenador do Centro Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes, destacou que em avaliação referente aos acidentes de trabalho nos EUA, indicou-se que a taxa de lesão associada com a quantidade de horas extras foi de 61% maior do que em empregos sem computar as horas extras.
Possibilitar que por meio de norma coletiva a extensão das estressantes atividades dos motoristas profissionais ordinariamente para 10 (dez) horas certamente contribuirá – e muito – para o aumento das estatísticas sobre acidentes do trabalho.
No plano jurídico nacional, destaco que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XIII, prevê a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Na CLT, a jornada de trabalho é regulada no art. 57 e seguintes. O art. 58 dispõe:
Art. 58. A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja de expressamente outro limite.
Como visto, com o advento da Constituição Federal de 1988, o limite diário possível é o de 8 (oito) horas diárias. A parte final do artigo 58 da CLT, em que consta “desde que não seja de expressamente de outro limite”, significa que poderá haver outros limites
menores, como o caso dos bancários, que terão, por força do artigo 224 da CLT, jornada de 6 horas e, somente excepcionalmente, de 8 (oito) horas.
A possibilidade de o motorista profissional laborar em jornada ordinária de 8 (oito) horas, com mais 2 (duas)horas extraordinárias celetistas e ainda mais 2 (duas) convencionais, perfazendo até mesmo um total de 12 horas por dia, é, a meu juízo, inconstitucional. Em minha obra “A Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador”, defendo na página 181 o seguinte entendimento:
‘Entendemos que o art. 59 da CLT, que permite o acréscimo de até duas horas suplementares, conflita com o art. 7º, XIII, da Constituição da República, porquanto seria inconcebível concluir que a lei ordinária possa instituir a jornada de 10 horas mediante um simples pagamento do adicional de 50%.
Esse raciocínio é puramente econômico e destoa dos princípios que orientam o Direito do Trabalho, sendo oportuno enfatizar que a ordem econômica deve estar fundada na valorização do trabalho humano, conforme preceitua o art. 170 da Constituição da República de 1988”.
A proposta ora aventada no Projeto de Lei de haver jornadas de até 12 (doze) horas de duração ampara-se na possibilidade de negociação coletiva. O fato de a Constituição Federal reconhecer as normas coletivas, tal como disposto no artigo 7º, XXVI, sem dúvida alguma não confere à negociação coletiva a possibilidade de flexibilizar as normas a ponto de, sem qualquer contrapartida, a não ser a econômica, provocar danos à saúde dos motoristas profissionais, que certamente desenvolverão fadiga, até mesmo crônica, revelando-se, portanto, a nosso juízo, inconstitucional.
Cabe destacar que se aprovada tal proposição, eventualmente um motorista que transporte cargas em longa distância ou faça percursos rodoviários extensos, mormente os interestaduais, trabalharão por 12 (doze) horas, e que a estas ainda serão somadas as decorrentes de força maior previstas no art. 235-E, § 9º, da CLT, tempo necessário para sair da situação extraordinária e chegar a um local seguro ou destino. Não serão incomuns, dessa forma, jornadas de 13 a 14 horas.
Art. 235-E. Ao transporte rodoviário de cargas em longa distância, além do previsto no art. 235-D, serão aplicadas regras conforme a especificidade da operação de transporte realizada.
§ 9º Em caso de força maior, devidamente comprovado, a duração da jornada de trabalho do motorista profissional poderá ser elevada pelo tempo necessário para sair da situação extraordinária e chegar a um local seguro ou ao seu destino’.
Era o que eu tinha a dizer.
Deputada Jô Moraes – PCdoB/MG”
Aparte do presidente da sessão, deputado Gonzaga Patriota:
“Deputada Jô Moraes, como policial rodoviário federal, eu quero parabenizar Vossa Excelência por essa preocupação. Temos um quadro pequeno de 14 mil policiais, estamos com 9 mil e, até o final do ano, estaremos com 7 mil. Quero pedir a nossa Presidenta Dilma para botar, pelo menos, 10 mil novos policiais, senão não vai para frente... Agora, as mulheres têm que trabalhar 5 anos a menos do que os homens.”
Parlatube
O discurso da deputada federal Jô Moraes está no Parlatube, no endereço: youtu.be/B6DJ7y3BECk
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