Apesar de o uso de máquinas no corte da cana-de-açúcar ter diminuído o
desgaste físico dos trabalhadores rurais, aumentou o desemprego e não
reduziu problemas como lesões por esforços repetitivos, discriminação
das mulheres, baixos salários e alta rotatividade, segundo pesquisa
publicada pelo Instituto Observatório Social, que será lançada
oficialmente hoje (1º).
De acordo com a pesquisa, a inserção de máquinas na colheita da cana
diminuiu os casos de trabalho escravo e em condições degradantes, assim
como os problemas ambientais decorrentes das queimadas, mas tornou a
jornada de trabalho mais intensa: como a remuneração é baixa e os
trabalhadores ganham por tonelada cortada, eles dificilmente fazem
paradas durante o dia, mesmo para o horário de almoço ou para usar o
banheiro e beber água.
A principal reclamação dos trabalhadores da colheita mecanizada é que
não é possível parar as máquinas. “Eles trabalham por produção: quanto
mais toneladas cortam, mais ganham. Então, no tempo que eles estão na
jornada tentam diminuir ao máximo as paradas para que possam aumentar a
produção e ganhar mais”, diz a coordenadora de pesquisa do Instituto
Observatório Social, Lilian Arruda.
O estudo, intitulado “O comportamento sociotrabalhista da Raízen”,
foi encomendado por uma central sindical da Holanda, a Federatie
Nederlandse Vakbeweging (FNV), que queria investigar as condições de
trabalho dos cortadores de cana em empresas com capital holandês, caso
da Raízen. Os resultados já foram encaminhados para a entidade, que vai
se reunir com sindicatos brasileiros para elaborar estratégias que
melhorem as condições de trabalho dos cortadores de cana.
A pesquisa analisou duas unidades da empresa nos municípios paulistas
de Ibaté e Ipaussu. No primeiro foram ouvidos 17 homens e sete mulheres
que trabalham no corte manual, e nove homens no corte mecanizado. No
segundo, foram entrevistados 14 homens do corte com máquinas, já que no
município não foi encontrado corte manual. Além disso, foram ouvidos um
representante da Raízen e membros de quatro associações trabalhistas do
setor.
“A empresa coloca à disposição um ônibus com toda uma estrutura de
água potável e banheiro, que fica parado. Os trabalhadores de Ibaté
contaram que muitas vezes vão no banheiro no próprio canavial, porque
muitas vezes o ônibus está longe e, como não podem parar o trabalho,
acabam procurando a alternativa mais rápida”, diz Lilian.
Segundo o estudo, nem todos os trabalhadores do corte manual são
incorporados à colheita mecanizada, que requer menor mão de obra. “O
corte mecanizado não vai empregar todo mundo que saiu do manual. Ele não
absorve todos os trabalhadores. Não há um levantamento preciso sobre o
que acontece com eles, mas acreditamos que muitos vão para o cultivo de
laranja e outras culturas”, afirma Lilian.
Os trabalhadores reclamaram que falta oportunidade de crescimento na
empresa e que nem todos têm oportunidade de ingressar no corte
mecanizado. O estudo classificou o trabalho no corte de cana como frágil
e instável, já que o trabalhador não tem garantia de que será chamado
para trabalhar na próxima safra.
“O cansaço dos trabalhadores e trabalhadoras das atividades
relacionadas ao corte manual da cana é evidente. Expostos ao sol forte e
calor durante todo o dia, com roupas pesadas para se proteger dos
riscos que correm e realizando uma atividade extenuante, o esgotamento
físico é inevitável”, diz o estudo. “Trata-se de um trabalho exaustivo e
perigoso e, se nem sempre escravo, muitas vezes degradante, que leva
muitos trabalhadores à invalidez precoce”, diz a pesquisa.
Problemas antigos
Os avanços no setor não conseguiram resolver velhos problemas de
trabalho no corte de cana. Em um deles, destacado no estudo, é elevada a
quantidade de trabalhadores terceirizados, em principal na unidade de
Ibaté. O caso provocou uma ação civil pública do Ministério Público em
2012 contra a empresa, alegando que a colheita é sua atividade-fim e que
por isso não pode ser terceirizada, tomando como base a legislação
brasileira.
A falta de transparência na pesagem e na remuneração da produção
também foi um problema apontado: nenhum dos trabalhadores terceirizados
soube dizer como é calculado o valor da produção, nem quais os critérios
da empresa para medir a produtividade. “Eles não têm muita noção de
como é feita a pesagem, do quanto entregam e do quanto a empresa paga
por tonelada. É preciso deixar claro para eles quanto produzem e qual o
preço da tonelada”, diz Lilian.
As mulheres do setor estão em condições mais precárias de trabalho do
que os homens, sendo que a pesquisa não identificou nenhuma mulher
trabalhando no corte mecanizado de cana-de-açúcar. A empresa declarou
não ter nenhum programa para combater a desigualdade de gênero, apesar
de sua Política de Desenvolvimento Sustentável pregar que é preciso
“oferecer oportunidades iguais a todos os funcionários e candidatos a
emprego, promover a diversidade e garantir que não ocorra
discriminação”.
A principal função das mulheres no setor é recolher o talo da
cana-de-açúcar, chamado popularmente de bituca, que é deixado para trás
pela máquina na hora do corte. A pesquisa considera que elas são
“alijadas das oportunidades de trabalho na colheita mecanizada”, “ganham
proporcionalmente menos”, e as atividades que desenvolvem são “menos
valorizadas”.
“Para o corte manual havia uma diferença física, mas elas não são
incluídas no corte mecanizado”, critica a coordenadora de pesquisa do
Instituto Observatório Social. “O trabalho mais exaustivo e degradante é
exercido por mulheres. Vemos aí uma diferenciação de gênero.”
FONTE: Rede Brasil Atual
Nenhum comentário:
Postar um comentário