Em sua primeira entrevista
após a onda de protestos populares que tomaram as ruas do país, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não disputará a presidência da República em
2014 e disse que a presidenta Dilma Rousseff é a sua candidata à reeleição.
Lula defendeu sua sucessora
e afirmou que a presidente não demorou para ouvir as vozes da rua. A pesquisa
Datafolha divulgada no sábado (29) mostrou que Dilma também perdeu intenção de
votos e caiu de 51% para 30%. A mesma pesquisa mostrou que Lula teria melhor
desempenho que Dilma na eleição presidencial de 2014.
As declarações foram dadas
neste domingo (30), depois do primeiro dia do encontro “Novas abordagens
unificadas para erradicar a fome na África”, promovido pelo Instituto Lula, pela
União Africana e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO) em Adis Abeba, capital da Etiópia.
Pela manhã, Lula explicou o
que estava acontecendo no país, ao discursar a uma plateia composta por
ministros, políticos e integrantes de ONGs de diferentes países africanos. O
ex-presidente elogiou Dilma, ao afirmar que a sucessora teve um comportamento “extraordinário”
e foi solidária em relação às manifestações que acontecem em todo o país.
Leia a íntegra da entrevista
concedida ao Valor Econômico:
Valor: Como o senhor
viu essas manifestações? O que levou as pessoas às ruas?
Lula: Eu acho que no Brasil
temos prefeitos, governadores, presidente da República... Eu sou um curioso
nesse aspecto. A primeira coisa que eu acho é que toda vez que um povo se
manifesta é sempre muito importante. Acho que democracia exige que o povo
esteja sempre em movimento, em manifestação, sempre reivindicando alguma coisa.
As reivindicações que o povo está fazendo, de melhoria de transporte, de saúde,
de educação, isso é próprio do processo de crescimento que o Brasil vem
enfrentando. Se você analisar que em dez anos mais do que dobrou o número de
universitários no Brasil e de alunos nas escolas técnicas, e que houve a
evolução social de uma camada da sociedade, essas pessoas cada vez mais querem
mais. É assim. Quando aconteceu a greve dos metalúrgicos em 1978 as pessoas se
perguntavam por que os trabalhadores fizeram greve. Eu dizia: porque eles
tinham aprendido a comer um bife e estavam tirando o bife deles! Começaram a
brigar para não perder o bife! Na medida em que as pessoas tiveram uma evolução
social, é normal que elas queiram mais coisa. De vez em quando as pessoas
reclamam que os aeroportos estão cheios. É lógico que tem que estar cheio! Em
2007 você tinha 48 milhões de passageiros voando de avião. Hoje você tem 101
milhões de passageiros. Obviamente que vai ter gente brigando. Você não tem
[briga de passageiros] de ônibus, porque a quantidade de passageiros que
andavam de ônibus em 2007 é a mesma de 2012. Na medida em que as pessoas vão
evoluindo vão querendo mais. Eu acho importante. Eu acho que se as pessoas
questionam custo da Copa as pessoas que organizaram, que contrataram tem que
mostrar. Não tem nenhum problema fazer esse debate com a sociedade. E é fazendo
o debate que você separa o joio do trigo. Quem quer realmente debater, está
interessado em fazer coisa séria e aquilo que é justo. Nesse aspecto Dilma tem
tido um comportamento importante. De entender o movimento, tentar dialogar com
o movimento e construir as propostas possíveis. Se a gente tiver qualquer
preocupação com o exercício da democracia é muito ruim.
Valor: O senhor se reuniu
com Dilma e Haddad durante a crise. O que o senhor disse a eles? Faltou ouvir
as ruas?
Lula: A coisa que o Haddad
mais ouviu foi as ruas. Ele tinha acabado de sair de uma eleição. Primeiro ele
ganhou as eleições por causa da proposta de transporte que fez para São Paulo,
que era para novembro, mas talvez ele antecipe, não sei se tem condições de
antecipar (proposta do Bilhete Único Mensal). A propaganda do Haddad era a
seguinte: da porta para dentro muita coisa melhorou nesse país, mas da porta
para fora nada foi feito. E ele dizia que em São Paulo em oito anos não havia
sido feito nenhum corredor de ônibus. Ninguém pode, em sã consciência, nem o
prefeito, nem o vice-prefeito, nem um cidadão qualquer dizer que o transporte em
São Paulo é de qualidade. O metrô era de qualidade quando andava pouca gente,
quando tinha condição de sentar. Mas agora que você tem passageiro para três
vagões andando em um vagão, vai piorando a qualidade. O que eu acho que pode
acontecer no Brasil é as pessoas se convencerem que de quando em quando gente
precisa refletir sobre o que está acontecendo, conversar com as pessoas e
tentar construir aquilo que precisa ser construído. É por isso que elogiei o
comportamento da Dilma nessas coisas. Ela humildemente foi conversar com todos
os segmentos da sociedade. Não se recusou a conversar com nenhum.
Valor: Não demorou muito
para fazer isso?
Lula: Não demorou. Ela
conversou no momento certo. Não poderia ter conversado antes, para discutir
qualquer movimentação. O que a gente tem que entender é o seguinte: a realidade
no mundo é outra, o povo está mais exigente, está tendo cada vez mais acesso a
informação. Hoje o povo não precisa esperar o jornal no dia seguinte, a
televisão à noite. As pessoas estão acompanhando as coisas 24 horas por dia. As
pessoas não estão mais lendo notícia. Estão fazendo notícia. Eu acho que essa
coisa é que é interessante. Nesse momento só tem uma solução: é pensar,
conversar e começar a colocar em prática coisas que sejam resultado das
discussões com a sociedade.
Valor: O senhor concorda com
essa proposta de plebiscito sobre reforma política? O senhor ficou irritado com
o fato de a presidente ter consultado o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso?
Lula: Eu não posso fazer
julgamento de acordo feito entre partidos políticos. Cada partido esteve
representado com seu presidente e eles decidiram fazer o que tinham que fazer e
vão colocar em prática. Não sei como é que vão colocar em prática, mas vão
colocar. Nós temos o direito de conversar com quem bem entenda. Eu até agora
não ouvir dizer que Dilma conversou com Fernando Henrique Cardoso. Ouvi setores
da imprensa dizendo que ela conversou, o que ela não confirmou em nenhum
momento. Mas conversar com FHC, com Sarney, com Collor, com Lula, é a coisa
mais natural que um presidente tem que fazer. É conversar com as pessoas. É o
seguinte: o Brasil vive um momento extraordinário de afirmação de sua
democracia. Somos um país muito novo no exercício da democracia. Se você quiser
pegar a eleição do Sarney como paradigma ou a aprovação da Constituição em 1988
temos 25 anos de democracia contínua. É o período mais longo. É normal que a
sociedade esteja como uma metamorfose ambulante, se modificando a cada momento.
É muito bom para o Brasil.
Valor: Mas não preocupa o
abalo na popularidade da presidente, que caiu 30 pontos percentuais desde o
inicio do mês?
Lula: Não me preocupa. Se
tem um cidadão que já subiu e desceu em pesquisa fui eu. Em 1989 teve um dia no
mês de junho que eu queria desistir de ser candidato porque eu tinha caído
tanto que ia sair devendo para o Ibope (risos). Então eu cheguei a pensar em
desistir porque não tem como eu pagar voto. Só tenho o meu. E depois com tantos
figurões disputando a eleição fui eu que fui para o segundo turno. A Dilma é a
mais importante candidata que nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela
para ser candidata à Presidência da República. Portanto ela será a minha
candidata.
Valor: O senhor volta em
2014?
Lula: Não.
Fonte: Valor Econômico.
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