O cerco vai se fechando
contra o PL 4.330/2004, que regulamenta a terceirização. Primeiro foi a Associação
Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) que divulgou carta aberta
contra o projeto tal como está formulado.
Em seguida, 19 dos 27
ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) divulgaram ofício encaminhado
ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Décio Lima
(PT-SC), em que fazem duras críticas ao projeto.
Agora, os pesquisadores do
mundo do trabalho, organizados no Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e
Cidadania, divulgam “Manifesto de repúdio ao Projeto de Lei 4.330/04”.
No manifesto, os
pesquisadores chamam a atenção para o fato de a “Terceirização não gerar
emprego: o que gera emprego é o desenvolvimento econômico. E mais do que criar
qualquer emprego, as políticas públicas e legislativas desse país devem se
voltar à criação de empregos dignos, estáveis e juridicamente protegidos”.
Ainda no manifesto, o Grupo
de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania diz que “o projeto de lei, a
despeito de se auto intitular regulamentador da terceirização de serviços, da
forma como redigido, para permitir a terceirização do ‘conjunto das atividades
empresariais’, em verdade, está a autorizar o ingresso da figura da
intermediação de mão-de-obra no ordenamento jurídico brasileiro”.
Este novo documento público,
ao se juntar com o da Anamatra e o do TST, oferece argumentos irrefutáveis, que
demonstram que o debate como está posto pelos empresários não resiste a um
debate sério que quer de fato regulamentar o fenômeno da terceirização.
Leia a íntegra do manifesto:
Manifesto de repúdio ao
Projeto de Lei nº 4.330/2004
O Grupo de Pesquisa
Trabalho, Constituição e Cidadania, vem, por meio deste, manifestar seu repúdio
ao Projeto de Lei nº 4.330/2004, de autoria do Deputado Sandro Mabel, que se
encontra incluído em pauta de votação no Congresso Nacional para o dia
3/9/2013.
Nós, pesquisadores do mundo
do trabalho, defendemos a REJEIÇÃO INTEGRAL do referido projeto de lei, pelos
motivos que passamos a expor:
1. O projeto de lei, a
despeito de se auto intitular regulamentador da terceirização de serviços, da
forma como redigido, para permitir a terceirização do “conjunto das atividades
empresariais”, em verdade, está a autorizar o ingresso da figura da
intermediação de mão-de-obra no ordenamento jurídico brasileiro. A
terceirização de serviços acessórios à atividade principal de uma empresa e que
não se confundem com a sua atividade-fim, com o intuito de permitir que o
empreendimento capitalista se concentre no seu objetivo principal, já está
acomodada pelo ordenamento jurídico, por meio da interpretação construída pelo
Tribunal Superior do Trabalho e cristalizada na Súmula nº 331 do TST, que
autoriza a terceirização de atividade-meio, desde que assumida pela empresa
tomadora dos serviços responsabilidade subsidiária pelas verbas devidas ao
trabalhador.
A intenção do projeto, ao
admitir a terceirização indiscriminada de todas as atividades empresariais, é
autorizar que as empresas terceirizem inclusive suas atividades principais,
objetivo que não encontra amparo nem mesmo nas modernas técnicas
administrativas que fundamentam a terceirização.
Terceirizar atividade-fim é
admitir que figure entre o trabalhador e o seu real empregador uma empresa
intermediária que, longe de possuir especialização, atua como agenciadora de
trabalho humano, oferecendo-o como mercadoria, e extraindo do trabalhador, uma
segunda vez, a mais-valia do seu trabalho.
2. Nesses termos, o projeto
de lei, ao permitir a intermediação de mão de obra, ou merchandage, ofende um
dos princípios básicos da Organização Internacional do Trabalho, o de que o
trabalho humano não é mercadoria, e retira do trabalhador a condição de sujeito
que oferta e contrata sua mão de obra para impor a ele a condição de objeto de
um contrato de prestação de serviços entre duas empresas.
De início, a pesquisa
identifica que a remuneração dos trabalhadores terceirizados é inferior, em
27,1%, à remuneração dos trabalhadores permanentes. Ademais, os dados noticiam
que a remuneração dos trabalhadores terceirizados se concentra nas faixas de 1 a 2 salários mínimos e de 3 a 4 salários mínimos, ao
passo que os trabalhadores diretos estão mais distribuídos entre as diversas
faixas salariais. Em relação à jornada de trabalho contratada, o DIEESE
constata que esse grupo de trabalhadores realiza, semanalmente, uma jornada de
3 horas a mais que a exercida pelos trabalhadores permanentes, sem considerar
as horas extras e os bancos de horas realizados.
O tempo de emprego demonstra
uma diferença ainda maior entre trabalhadores diretos e terceiros: enquanto a
permanência no trabalho é de 5,8 anos para os trabalhadores permanentes, em
média, para os terceirizados é de 2,6 anos. Desse fato decorreria a alta
rotatividade dos terceirizados: 44,9% contra 22% dos diretamente contratados
[1]. Portanto, o atual panorama do trabalho no país reclama uma atuação mais
enérgica frente à terceirização e não a sua ampliação indiscriminada.
5. Trabalho não é custo:
trabalho é meio de inserção socioeconômica e afirmação subjetiva dos seres
humanos, razão porque, não se pode tolerar que, a pretexto de favorecer a geração
de lucro e de reduzir indefinidamente as despesas com pessoal, as empresas
forjem subcategorias de trabalhadores terceirizados, subcontratados,
sub-remunerados e desprovidos de condições de saúde e segurança no trabalho.
O centro do ordenamento jurídico
é a pessoa humana e o pleno desenvolvimento de suas potencialidades como pessoa
e cidadã, objetivo que fica inviabilizado quando o mundo do trabalho se
encontra dominado por trabalhadores em condição de precariedade extrema,
configurando mão de obra rotativa, descartável e desvalorizada.
Isso tem sido responsável
pelo enfraquecimento da atuação sindical e redução do poder de negociação dos
trabalhadores em face das redes de empregadores. Não há democracia nas relações
de trabalho se os trabalhadores têm minadas suas condições de agregação e
organização em face dos empregadores. A Constituição Cidadã de 1988 não ampara
a pulverização do movimento sindical por uma estratégia empresarial.
9. Terceirização não gera
emprego: o que gera emprego é desenvolvimento econômico. E mais do que criar
qualquer emprego, as políticas públicas e legislativas desse país devem se
voltar à criação de empregos dignos, estáveis e juridicamente protegidos.
Por tudo isso, nós, abaixo
assinados, pesquisadores, estudiosos e operadores do Direito do Trabalho, em
defesa das lutas históricas dos trabalhadores brasileiros, que renderam um
ordenamento jurídico trabalhista sólido, protetivo e voltado para a preservação
da dignidade do trabalhador, nos posicionamos contrariamente à lamentável
involução jurídica que representa o Projeto de Lei 4.330/04.
Dirigimos nosso apelo aos
Parlamentares que integram o Congresso Nacional e, em especial, à base
governista liderada pelo Partido dos Trabalhadores, pela articulação política
em prol da rejeição do referido projeto, como forma de não trair uma das
principais bandeiras históricas desse partido, que é a garantia de direitos
trabalhistas e o combate à precarização das condições de vida da classe
trabalhadora.
Clamamos também à Presidente
Dilma Rousseff, por sua trajetória de luta pela Democracia nesse país. A
Democracia não pode ser concretizada sem direitos humanos. E o conteúdo mínimo
dos direitos sociais que é violentado por esse projeto, constitui a essência
dos direitos humanos dos trabalhadores: não ser tratados como mercadoria.
Grupo de Pesquisa Trabalho,
Constituição e Cidadania – Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
1. Gabriela Neves Delgado
(Doutora em Filosofia do Direito/UFMG - Professora Adjunta da Faculdade de
Direito/ UnB - Coordenadora do Grupo);
2. Ricardo José Macêdo de
Brito Pereira (Doutor em Direito do Trabalho pela Universidad Complutense de
Madrid - Professor Colaborador da Faculdade de Direito/UnB - Procurador
Regional do Trabalho em exercício na PGT);
3. Cláudio Ladeira de
Oliveira (Doutor em Direito/UFSC - Professor Adjunto da Faculdade de
Direito/UnB);
4. Juliano Zaiden Benvindo
(Doutor em Direito/HU-Berlin e UnB - Professor Adjunto da Faculdade de
Direito/UnB);
5. Cristiano Paixão (Doutor
em Direito Constitucional/UFMG - Professor Adjunto da Faculdade Direito/UnB -
Procurador Regional do Trabalho - PRT10);
6. Paulo Henrique Blair de
Oliveira (Doutor em Direito/UnB - Juiz do Trabalho - TRT 10ª Região);
7. Marthius Sávio Lobato
(Doutor em Direito/UnB - Advogado Trabalhista);
8. Noemia Aparecida Garcia
Porto (Doutoranda em Direito/PPGD-UnB, Juíza do Trabalho - TRT 10ª Região -
Presidente da AMATRA 10);
9. Ricardo Machado Lourenço
Filho (Doutorando em Direito/ PPGD - UnB, Juiz do Trabalho - TRT 3ª Região);
10. Renata Queiroz Dutra
(Mestranda/PPGD-UnB);
11. Laís Maranhão Santos
Mendonça (Mestranda/PPGD-UnB);
12. Murilo Rodrigues
Coutinho (Graduado em Direito/UNAMA - integrante do Grupo de Pesquisa);
13. Oyama Carina Barbosa
Andrade (Mestre em Direito do Trabalho - UFMG);
14. Gabriel Oliveira Ramos
(Graduado em Direito/USP - integrante do Grupo de Pesquisa);
15. Pedro Mahin de Araújo
Trindade (Mestrando /PPGD-UnB);
16. Guilherme Lissen B. H.
da Rocha (Graduado em Direito/CEUB - integrante do Grupo de Pesquisa);
17. Lara Parreira
(Mestranda/PPGD-UnB);
18. Raissa Roussenq Alves
(Graduada em Direito/UnB - integrante do Grupo de Pesquisa);
19. Milena Pinheiro Martins
(Graduada em Direito/UnB - integrante do Grupo de Pesquisa);
20. Ana Carolina Paranhos de
Campos Ribeiro (Mestranda/PPDG-UnB);
21. Henrique Guariento
(Estudante de Graduação/FD-UnB - Integrante do Grupo de Pesquisa);
22. Thais Safe Carneiro
(Graduada em Direito - Advogada - Integrante do Grupo de Pesquisa);
23. Lauro Guimarães
(Graduado em Direito - integrante do grupo de pesquisa);
24. Melina Silva (Graduada
em Direito - integrante do grupo de pesquisa);
25. Luíza Anabuki (Graduada
em Direito/UnB - integrante do grupo de pesquisa);
26. Mauro de Azevedo Menezes
(Mestre em Direito Público pela UFPE - Advogado Trabalhista - apoiador do
manifesto);
27. Carla Gabrieli Galvão de
Souza (Mestre em Direito e Sociologia pela UFF - Auditora Fiscal do Trabalho -
Coordenadora de uma das equipes do grupo especial de fiscalização móvel de
combate ao trabalho escravo - apoiadora do manifesto).
Fonte: Agência Diap.
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