5 de set. de 2013

Pesquisadores do mundo do trabalho divulgam manifesto em repúdio ao PL 4.330

O cerco vai se fechando contra o PL 4.330/2004, que regulamenta a terceirização. Primeiro foi a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) que divulgou carta aberta contra o projeto tal como está formulado.
Em seguida, 19 dos 27 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) divulgaram ofício encaminhado ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Décio Lima (PT-SC), em que fazem duras críticas ao projeto.
Agora, os pesquisadores do mundo do trabalho, organizados no Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, divulgam “Manifesto de repúdio ao Projeto de Lei 4.330/04”.
No manifesto, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de a “Terceirização não gerar emprego: o que gera emprego é o desenvolvimento econômico. E mais do que criar qualquer emprego, as políticas públicas e legislativas desse país devem se voltar à criação de empregos dignos, estáveis e juridicamente protegidos”.
Ainda no manifesto, o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania diz que “o projeto de lei, a despeito de se auto intitular regulamentador da terceirização de serviços, da forma como redigido, para permitir a terceirização do ‘conjunto das atividades empresariais’, em verdade, está a autorizar o ingresso da figura da intermediação de mão-de-obra no ordenamento jurídico brasileiro”.
Este novo documento público, ao se juntar com o da Anamatra e o do TST, oferece argumentos irrefutáveis, que demonstram que o debate como está posto pelos empresários não resiste a um debate sério que quer de fato regulamentar o fenômeno da terceirização.
Leia a íntegra do manifesto:
Manifesto de repúdio ao Projeto de Lei nº 4.330/2004
O Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, vem, por meio deste, manifestar seu repúdio ao Projeto de Lei nº 4.330/2004, de autoria do Deputado Sandro Mabel, que se encontra incluído em pauta de votação no Congresso Nacional para o dia 3/9/2013.
Nós, pesquisadores do mundo do trabalho, defendemos a REJEIÇÃO INTEGRAL do referido projeto de lei, pelos motivos que passamos a expor:
1. O projeto de lei, a despeito de se auto intitular regulamentador da terceirização de serviços, da forma como redigido, para permitir a terceirização do “conjunto das atividades empresariais”, em verdade, está a autorizar o ingresso da figura da intermediação de mão-de-obra no ordenamento jurídico brasileiro. A terceirização de serviços acessórios à atividade principal de uma empresa e que não se confundem com a sua atividade-fim, com o intuito de permitir que o empreendimento capitalista se concentre no seu objetivo principal, já está acomodada pelo ordenamento jurídico, por meio da interpretação construída pelo Tribunal Superior do Trabalho e cristalizada na Súmula nº 331 do TST, que autoriza a terceirização de atividade-meio, desde que assumida pela empresa tomadora dos serviços responsabilidade subsidiária pelas verbas devidas ao trabalhador.
A intenção do projeto, ao admitir a terceirização indiscriminada de todas as atividades empresariais, é autorizar que as empresas terceirizem inclusive suas atividades principais, objetivo que não encontra amparo nem mesmo nas modernas técnicas administrativas que fundamentam a terceirização.
Terceirizar atividade-fim é admitir que figure entre o trabalhador e o seu real empregador uma empresa intermediária que, longe de possuir especialização, atua como agenciadora de trabalho humano, oferecendo-o como mercadoria, e extraindo do trabalhador, uma segunda vez, a mais-valia do seu trabalho.
2. Nesses termos, o projeto de lei, ao permitir a intermediação de mão de obra, ou merchandage, ofende um dos princípios básicos da Organização Internacional do Trabalho, o de que o trabalho humano não é mercadoria, e retira do trabalhador a condição de sujeito que oferta e contrata sua mão de obra para impor a ele a condição de objeto de um contrato de prestação de serviços entre duas empresas.
3. A atual regulação da terceirização pelo TST, que se faz por meio da Súmula 331 e que a restringe às atividades meio, é muito mais criteriosa que o projeto de lei e, ainda assim, tem sido complexa e delicada a regulação da terceirização no país. Isso porque a terceirização tem sido usada como forma de reduzir custos trabalhistas, conforme representam os seguintes dados: Pesquisa realizada pelo DIEESE em setembro de 2011, dá notícia de números alarmantes a respeito da terceirização no país.
De início, a pesquisa identifica que a remuneração dos trabalhadores terceirizados é inferior, em 27,1%, à remuneração dos trabalhadores permanentes. Ademais, os dados noticiam que a remuneração dos trabalhadores terceirizados se concentra nas faixas de 1 a 2 salários mínimos e de 3 a 4 salários mínimos, ao passo que os trabalhadores diretos estão mais distribuídos entre as diversas faixas salariais. Em relação à jornada de trabalho contratada, o DIEESE constata que esse grupo de trabalhadores realiza, semanalmente, uma jornada de 3 horas a mais que a exercida pelos trabalhadores permanentes, sem considerar as horas extras e os bancos de horas realizados.
O tempo de emprego demonstra uma diferença ainda maior entre trabalhadores diretos e terceiros: enquanto a permanência no trabalho é de 5,8 anos para os trabalhadores permanentes, em média, para os terceirizados é de 2,6 anos. Desse fato decorreria a alta rotatividade dos terceirizados: 44,9% contra 22% dos diretamente contratados [1]. Portanto, o atual panorama do trabalho no país reclama uma atuação mais enérgica frente à terceirização e não a sua ampliação indiscriminada.
4. A terceirização tem sido responsável pela subjugação dos terceirizados inclusive no que toca às condições de saúde e segurança, sendo marcante o fato de que a incidência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais entre terceirizados chega a ser 4 vezes maior que entre empregados contratados diretamente pelas empresas destinatárias finais dos seus serviços.
5. Trabalho não é custo: trabalho é meio de inserção socioeconômica e afirmação subjetiva dos seres humanos, razão porque, não se pode tolerar que, a pretexto de favorecer a geração de lucro e de reduzir indefinidamente as despesas com pessoal, as empresas forjem subcategorias de trabalhadores terceirizados, subcontratados, sub-remunerados e desprovidos de condições de saúde e segurança no trabalho.
O centro do ordenamento jurídico é a pessoa humana e o pleno desenvolvimento de suas potencialidades como pessoa e cidadã, objetivo que fica inviabilizado quando o mundo do trabalho se encontra dominado por trabalhadores em condição de precariedade extrema, configurando mão de obra rotativa, descartável e desvalorizada.
6. A terceirização tem sido responsável pela fragmentação de categorias de trabalhadores que, atuam lado a lado, muitas vezes realizando as mesmas atividades, porém remunerados diferenciadamente, com empregadores diferentes e, consequentemente, categorias sindicais diferentes.
Isso tem sido responsável pelo enfraquecimento da atuação sindical e redução do poder de negociação dos trabalhadores em face das redes de empregadores. Não há democracia nas relações de trabalho se os trabalhadores têm minadas suas condições de agregação e organização em face dos empregadores. A Constituição Cidadã de 1988 não ampara a pulverização do movimento sindical por uma estratégia empresarial.
7. A admissão generalizada do trabalho terceirizado dá ensejo ao fenômeno de empresas sem empregados ou formadas por uma quantidade de empregados diretos significativamente menor do que de terceirizados, revelando descaso do ordenamento jurídico com o valor social do trabalho na ordem econômica e com a relevância do sujeito trabalhador e de sua inserção socioeconômica digna no contexto empresarial para o qual se ativa.
8. A terceirização, enquanto forma de gestão do trabalho típica do modelo pós-fordista flexibilizador, subverte a relação de emprego clássica, que é o melhor instrumento contratual de inserção social do trabalhador. Esse instrumento, portanto, tem que ser a regra no mundo do trabalho, e não a exceção amedrontada.
9. Terceirização não gera emprego: o que gera emprego é desenvolvimento econômico. E mais do que criar qualquer emprego, as políticas públicas e legislativas desse país devem se voltar à criação de empregos dignos, estáveis e juridicamente protegidos.
10. A análise científica do fenômeno da terceirização e de sua regulação jurídica demonstra que esse mecanismo tem sido responsável pelo decréscimo dos patamares jurídicos da afirmação dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores, razão porque a instituição de um projeto de lei com perspectiva patrimonialista e que visa a satisfazer as exigências do mercado sem preocupação com os reais destinatários da norma, que são os trabalhadores, será responsável pela negação dos princípios básicos do Direito do Trabalho e dos postulados internacionais de proteção ao trabalho.
Por tudo isso, nós, abaixo assinados, pesquisadores, estudiosos e operadores do Direito do Trabalho, em defesa das lutas históricas dos trabalhadores brasileiros, que renderam um ordenamento jurídico trabalhista sólido, protetivo e voltado para a preservação da dignidade do trabalhador, nos posicionamos contrariamente à lamentável involução jurídica que representa o Projeto de Lei  4.330/04.
Dirigimos nosso apelo aos Parlamentares que integram o Congresso Nacional e, em especial, à base governista liderada pelo Partido dos Trabalhadores, pela articulação política em prol da rejeição do referido projeto, como forma de não trair uma das principais bandeiras históricas desse partido, que é a garantia de direitos trabalhistas e o combate à precarização das condições de vida da classe trabalhadora.
Clamamos também à Presidente Dilma Rousseff, por sua trajetória de luta pela Democracia nesse país. A Democracia não pode ser concretizada sem direitos humanos. E o conteúdo mínimo dos direitos sociais que é violentado por esse projeto, constitui a essência dos direitos humanos dos trabalhadores: não ser tratados como mercadoria.
Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania – Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
1. Gabriela Neves Delgado (Doutora em Filosofia do Direito/UFMG - Professora Adjunta da Faculdade de Direito/ UnB - Coordenadora do Grupo);
2. Ricardo José Macêdo de Brito Pereira (Doutor em Direito do Trabalho pela Universidad Complutense de Madrid - Professor Colaborador da Faculdade de Direito/UnB - Procurador Regional do Trabalho em exercício na PGT);
3. Cláudio Ladeira de Oliveira (Doutor em Direito/UFSC - Professor Adjunto da Faculdade de Direito/UnB);
4. Juliano Zaiden Benvindo (Doutor em Direito/HU-Berlin e UnB - Professor Adjunto da Faculdade de Direito/UnB);
5. Cristiano Paixão (Doutor em Direito Constitucional/UFMG - Professor Adjunto da Faculdade Direito/UnB - Procurador Regional do Trabalho - PRT10);
6. Paulo Henrique Blair de Oliveira (Doutor em Direito/UnB - Juiz do Trabalho - TRT 10ª Região);
7. Marthius Sávio Lobato (Doutor em Direito/UnB - Advogado Trabalhista);
8. Noemia Aparecida Garcia Porto (Doutoranda em Direito/PPGD-UnB, Juíza do Trabalho - TRT 10ª Região - Presidente da AMATRA 10);
9. Ricardo Machado Lourenço Filho (Doutorando em Direito/ PPGD - UnB, Juiz do Trabalho - TRT 3ª Região);
10. Renata Queiroz Dutra (Mestranda/PPGD-UnB);
11. Laís Maranhão Santos Mendonça (Mestranda/PPGD-UnB);
12. Murilo Rodrigues Coutinho (Graduado em Direito/UNAMA - integrante do Grupo de Pesquisa);
13. Oyama Carina Barbosa Andrade (Mestre em Direito do Trabalho - UFMG);
14. Gabriel Oliveira Ramos (Graduado em Direito/USP - integrante do Grupo de Pesquisa);
15. Pedro Mahin de Araújo Trindade (Mestrando /PPGD-UnB);
16. Guilherme Lissen B. H. da Rocha (Graduado em Direito/CEUB - integrante do Grupo de Pesquisa);
17. Lara Parreira (Mestranda/PPGD-UnB);
18. Raissa Roussenq Alves (Graduada em Direito/UnB - integrante do Grupo de Pesquisa);
19. Milena Pinheiro Martins (Graduada em Direito/UnB - integrante do Grupo de Pesquisa);
20. Ana Carolina Paranhos de Campos Ribeiro (Mestranda/PPDG-UnB);
21. Henrique Guariento (Estudante de Graduação/FD-UnB - Integrante do Grupo de Pesquisa);
22. Thais Safe Carneiro (Graduada em Direito - Advogada - Integrante do Grupo de Pesquisa);
23. Lauro Guimarães (Graduado em Direito - integrante do grupo de pesquisa);
24. Melina Silva (Graduada em Direito - integrante do grupo de pesquisa);
25. Luíza Anabuki (Graduada em Direito/UnB - integrante do grupo de pesquisa);
26. Mauro de Azevedo Menezes (Mestre em Direito Público pela UFPE - Advogado Trabalhista - apoiador do manifesto);
27. Carla Gabrieli Galvão de Souza (Mestre em Direito e Sociologia pela UFF - Auditora Fiscal do Trabalho - Coordenadora de uma das equipes do grupo especial de fiscalização móvel de combate ao trabalho escravo - apoiadora do manifesto).

Fonte: Agência Diap.

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